"Cazuza - Pro Dia Nascer Feliz, O Musical" é uma peça de teatro, com roteiro de Aloísio de Abreu e direção geral de João Fonseca, que conta com riqueza de detalhes toda a trajetória de Agenor de Miranda Araújo Neto, conhecido desde o ventre materno como Cazuza. A condutora da história é Lucinha Araújo, a mãe de Cazuza - na peça, interpretada por Stella Rodrigues, que possui uma linda voz e incorpora com destreza a corajosa e lutadora mãe que enfrentou a dor da perda de seu único filho e hoje ajuda a sociedade por meio da Fundação Viva Cazuza, que presta auxílio a crianças infectadas pelo vírus HIV. Lucinha sempre mimou Cazuza, que aprontava todas desde pequeno, e seu pai, João Araújo - interpretado por Marcelo Várzea, que traz verdade e emoção ao papel -, apesar de apoiá-lo sempre, sofria com as dores de cabeça que seu filho trazia.
Cazuza e seus pais, Lucinha e João Araújo. Créditos: Cazuza - Site Oficial.
A peça não poupa o público do lado ruim de Cazuza - em muitas cenas, o cantor e compositor é mostrado como um moleque mimado e pirracento, além de também mostrar amplamente seu consumo abusivo de drogas e de álcool. Também é bem marcada a presença da questão sexual - Cazuza era homossexual assumido, e são mostrados dois romances na peça: com Ney Matogrosso (interpretado por Fabiano Medeiros, que traz bastante do Ney original, mas não chega aos pés de Fabiano Augusto na peça "Rita Lee Mora ao Lado - O Musical"), com quem Caju (como era chamado carinhosamente pelos amigos) teve um breve relacionamento amoroso e uma duradoura amizade; e com Sérgio Maciel (interpretado por Oscar Fabião, que fez justamente um bom papel, mas que não o desempenhou com tanta excelência, deixando o personagem um tanto apagado na história), que foi namorado de Cazuza por quatro anos, um de seus relacionamentos mais duradouros.
Cazuza e Ney Matogrosso. Créditos: Michelli Nunes / Blog Groupon.
Outras duas presenças de destaque são fundamentais para o andamento da peça, além de serem espetáculos à parte: Bebel Gilberto e Ezequiel Neves. A cantora Bebel Gilberto, interpretada com maestria por Brenda Nadler, foi grande amiga de Cazuza (que ela apelidou carinhosamente de "Jacaré") e esteve ao seu lado tanto profissionalmente (compondo belíssima canções, como "Preciso Dizer Que Te Amo" e "Mais Feliz") quanto pessoalmente (acompanhou toda a doença do cantor e sempre esteve ao seu lado). Já Ezequiel Neves, interpretado com muito humor e carisma por André Dias, foi o produtor musical responsável por lançar Cazuza, junto da banda Barão Vermelho, ao estrelato. Os dois atores são brilhantes em seus personagens, e são, certamente, de suma importância para a vida de Cazuza.
Cazuza e Bebel Gilberto. Créditos: Cazuza - Site Oficial.
Agora, à questão musical. É impossível falar de Cazuza sem falar de suas composições, e a peça é agraciada com diversas músicas do grande poeta, postas em momentos imprescindíveis da vida e da carreira dele. Sucessos como "Exagerado", "Ideologia", "Brasil", "Blues da Piedade", "O Tempo Não Para", "Todo o Amor Que Houver Nessa Vida", e, claro, a música-tema da peça, "Pro Dia Nascer Feliz", são cantados por diversos personagens - não apenas por Cazuza, mas também por Lucinha, Frejat, Caetano Veloso, Bebel, entre outros. Outras canções menos conhecidas do repertório de Cazuza, tais como "Poema", "Carente Profissional", "Vem Comigo", "Down em Mim", também são postas para jogo, e se provam belíssimas composições subaproveitadas do poeta e compositor. Todos os atores estão bem afinados (como exceção dos músicos do Barão Vermelho, que até cantam bem mas destoavam um pouco dos coros presentes nas músicas), e Emílio Dantas está impecável cantando tal qual Cazuza.
A bamda Barão Vermelho, retratada na peça. Créditos: Leonardo Torres / Fala, Leonardo!
A peça é dividida em dois atos, e o segundo ato tem uma nítida diferença de tom para o primeiro - é mais sombrio, mais melancólico, mas não menos musical nem menos pontuado pelo humor negro de Cazuza. A AIDS já tomou conta de seu corpo, e ele é mostrado diversas vezes no hospital. A transformação visual de Dantas ao longo do segundo ato é impressionante, tanto pelo curto tempo que a equipe tem para maquiagem, quanto pela atuação crível e dolorida, que levou este que vos fala às lágrimas em inúmeros momentos. A peça termina de uma forma triste porém bonita, e mostra que o legado de Cazuza deixa mais do que a exposição pública dessa doença, ainda uma incógnita para a ciência - deixa também composições carregadas de poesia e de verdades sobre a vida, além de gravações impressionantes e emocionantes.
Cazuza (Emílio Dantas), Dé Palmeira (Marcelo Ferrari) e Bebel Gilberto (Brenda Nadler) na peça, compondo "Preciso Dizer Que Te Amo". Créditos: Leonardo Torres / Fala, Leonardo!
Eu, como grande fã de Cazuza, me senti completo ao final da peça - era como se eu tivesse visto um semelhante, que entendia as agruras de crescer, mas que se afundou em vícios para fugir da realidade e acabou confrontado pelo destino a enfrentar o mundo real. Cazuza foi um grande exemplo de força de vontade e de talento nato, e continua a influenciar muitas pessoas com suas músicas e com sua linda porém breve história de vida. Definitivamente, "Cazuza - Pro Dia Nascer Feliz, O Musical" é um espetáculo para se rever inúmeras vezes - afinal, creio que eu sabia cantar cerca de 90% das canções apresentadas... Em suma: que peça foda!
Cazuza durante um show. Créditos: Cazuza - Site Oficial.
Nenhum comentário:
Postar um comentário