domingo, 14 de outubro de 2018

Show “Us + Them”, de Roger Waters – Apresentação de 13/10/2018

Pensei muito a respeito antes de escrever a presente resenha crítica. Ainda que um fã da banda pretérita de Roger Waters, o Pink Floyd, a sua presente figura – iconoclasta, polêmica, antissemita e antirrepublicana – não me agrada, tampouco a sua recente produção musical – indubitavelmente inferior a qualquer trabalho de sua ex-banda, cujo nome ele não pode usar legalmente após uma batalha judicial desprezível com seu ex-colega de banda, David Gilmour, que hoje é detentor deste. No entanto, mesmo em período eleitoral, entre o primeiro e o segundo turno das eleições para Presidente do Brasil, seria impossível para mim, enquanto cientista político, não me pronunciar a respeito de tal evento que, se não primordialmente, é majoritariamente político.

Waters é, há décadas, uma figura controversa e coleciona processos por casos de antissemitismo envolvendo seu nome, e tais colocações legais não são mero fruto de detratores sem razão. Desde 2011, o músico integra o movimento anti-Israel Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), que promove um boicote geral contra o Estado de Israel em prol do interesse do fictício Estado da Palestina, que tenta ser criado na mesma região onde, há 70 anos, a ONU definiu como Israel, e tal movimento tem o antissemitismo como uma de suas principais bandeiras, posto que 74,5% da população israelense é judia, e o boicote cultural como uma de suas principais armas contra o país, posto que enviam cartas com graves ameaças à integridade física dos artistas que tentam se apresentar em Israel e estes, com medo por eles e por suas respectivas equipes técnicas, acabam desistindo de se apresentar por lá e aderindo à causa do BDS, como são os casos de Björk, Caetano Veloso, Lana del Rey, Carlos Santana, Vanessa Paradis, Gilberto Gil, entre outros. Por conta das ações do movimento que Waters integra e endossa, o músico já recebeu diversos processos de judeus acusando-o de antissemitismo, levando-o a perder o patrocínio da American Express e do Citibank, que são pró-Israel, além da criação de um contra-movimento de boicote a Waters, chamado “We Don’t Need No Roger Waters”, que parodia a música “Another Brick in the Wall, Pt. 2”, do Pink Floyd.

O show de Waters em Brasília foi o terceiro da sua turnê pelo Brasil, mas o seu primeiro concerto no país, em São Paulo, atraiu a atenção de toda a mídia por conta de uma mensagem que Waters exibiu no telão durante o intervalo do show, relacionando o atual candidato à Presidência Jair Bolsonaro ao surgimento de novos governantes neofascistas mundo afora. Dado que 53% do estado de São Paulo votou em Bolsonaro no primeiro turno da eleição, houve uma enorme onda de vaias a Waters, que durou por volta de cinco minutos. O músico, desesperado, ficou mudo e demorou para retomar o show, tamanho o rebuliço causado pelas vaias. Na apresentação em Brasília, contudo, Waters substituiu a referência a Bolsonaro por uma tarja vermelha onde se lia “ponto de vista político censurado”, como se ele tivesse sido vítima de censura do governo, não de seus próprios fãs, que reagiram indignados à intromissão do cantor na política local.

Waters está sempre se metendo em confusão quando o assunto é política de países que não são a sua querida Inglaterra: quando de sua penúltima turnê, “The Wall Live”, o músico foi criticado por diversas entidades ao emular a suástica nazista em seu figurino e por colocar em seu porco inflável, uma das poucas marcas registradas do Pink Floyd que ele conseguiu manter consigo após o processo litigioso contra David Gilmour e um animal considerado impuro para consumo pelo judaísmo, a Estrela de Davi, um dos símbolos mais conhecidos e sagrados para os judeus, exponenciando ainda mais o seu ódio indiscriminado e injusto contra uma etnia em prol de um grupo multiétnico e fundamentalmente terrorista, dado que aqueles que se consideram palestinos são responsáveis pela morte de milhares de judeus, sendo o mais conhecido caso o lamentável Massacre de Munique, no qual 11 atletas israelenses foram brutalmente mortos pelo grupo terrorista palestino que atuou durante quatro anos em diversos ataques de sequestro de aeronaves e de tentativas de assassinato de alguns membros oficiais do Reino Hachemita da Jordânia. Na presente turnê, o músico, além de criticar Bolsonaro, também dispara impropérios contra Mark Zuckerberg (dono da rede social Facebook), Donald Trump (presidente norte-americano), Marine Le Pen (ex-candidata à Presidência da França, de extrema-direita), Vladimir Putin (presidente russo e de direita), Mohammmad Bin Salman Al Saud (príncipe herdeiro da Arábia Saudita), Gina Haspel (a primeira mulher a comandar a CIA, de origem judia), entre outras personalidades tidas como vilãs das causas sociais.

Posto de lado o aspecto político envolvido no show de Roger Waters, é preciso elucidar que, aos 75 anos, ele já não tem mais fôlego para sustentar o espetáculo, deixando a maior parte dos holofotes para seus músicos e para suas backing vocals. Mesmo com todo o aparato tecnológico que visa a encher a vista da plateia, a voz de Waters, que nunca foi o centro do Pink Floyd, é necessário lembrar, posto que o vocalista da banda era Gilmour, está cada dia pior, e nem mesmo a equalização perfeita do sistema de som ou os Pro Tools utilizados na apresentação ao vivo são suficientes para mascarar o quão decrépito está o músico. Eu, enquanto plateia, tive uma experiência horrenda na Pista Premium ELO: o calor era tamanho que passei mal e tive que ser acudido pelos meus pais e por um grupo de amigos que fizemos ali – um senhor turco, de origem drusa, chamado Farid, com seus filhos e um sobrinho. Sou acostumado a passar calor em shows e concertos, mas o Estádio Nacional Mané Garrincha vira uma espécie de estufa a céu aberto durante a realização deste, e nem mesmo a brisa fresca que vez por outra me atingia foi suficiente para aplacar meu sofrimento com a alta temperatura do ambiente.

De forma geral, o show de Waters só é bom para os alienados: tanto os alienados políticos, que nada entendem sobre a atual circunstância política brasileira e mundial, quanto para os alienados musicais, que vão aos shows mais para fazer selfies e stories do que para prestigiar um músico legitimamente bom e em forma.