Em 30 de novembro de 1979, era
lançado, em vinil duplo, o álbum “The Wall”, da banda inglesa de rock
progressivo Pink Floyd. O álbum era conceitual e um tanto autobiográfico, visto
que Roger Waters quis cantar sobre sua vida e seu ego hiperinflado à época. “The
Wall” conta a vida de Pink, um garoto que se transforma em estrela do rock, mas
não consegue encontrar sua felicidade e plenitude. Sem rumo e sem saída, ele
entra no perigoso universo das drogas e começa a se tornar uma vítima do vício.
Com o tempo, ele acaba perdendo a noção da fronteira entre realidade e ficção,
e fica preso nas alucinações causadas pela sua loucura.
No meio dessa confusão mental,
ele se recorda como chegou a esse ponto – volta à sua infância, passa pelo seu
sucesso como rockstar e chega ao seu
atual estado, deplorável e desesperado. Pink percebe que criou um muro para separá-lo
de todos que tentaram o ajudar e o amar, e que seu mundo solitário é também
perigoso e monocromático. No ponto mais alto de sua loucura, ele chega a se
imaginar como um líder nazifascista comandando uma legião de seguidores.
Aos poucos, Pink cede e começa a
ser ajudado por aqueles que ele afastara e, ao fim, começa a se recuperar.
Depois de tudo que passara, Pink aprende sua lição: “... juntos, permanecemos
firmes, sozinhos não há como sermos fortes o bastante”.
A adaptação teatral do álbum
conceitual do Pink Floyd foi roteirizada por Stevan de Camargo Corrêa, e
dirigida por Luciana Maia. Sendo uma montagem estudantil semiprofissional,
realizada num teatro com capacidade para 220 pessoas, a peça tem uma estrutura
pequena e certo ar “off-Broadway”. “The
Wall”, decerto, é uma obra de grandes proporções, a fim de compensar o hiperego
de Roger Waters. Entretanto, essa peça soube reduzir a estrutura para caber num
pequeno palco, e o fez da forma mais inteligente possível: pôs bons cantores
para dar voz às dores e angústias que Pink atravessa durante sua vida.
Os personagens que mais me
chamaram a atenção foram, sem pô-los em gradação: Pink, o protagonista, que
teve atuações brilhantes em suas três fases – e ainda destaco a voz encantadora
e doce de Helena Macedo, que interpreta o pequeno Pink, que me conquistou os
ouvidos; a mãe de Pink, interpretada por Bárbara Carneiro, que teve excelente
atuação como uma personagem firme e que ajuda a equilibrar a instabilidade de
Pink, tendo ainda protagonizado uma cena chocante de estupro que, devo dizer, é
para poucas atrizes; a groupie que
seduz Pink quando ele está no auge do estrelato, interpretada por Natália Maia,
que deixou o palco mais bonito e mais sensual com suas roupas curtas e sua
atuação lasciva como uma fã apaixonada pela persona
do palco, mas que descobre o monstro autodestrutivo por trás desta, na eletrizante
cena que Pink destrói o quarto de hotel durante a música “One of my Turns”; e,
claro, uma garota do coro que, apesar de sua pouca visibilidade, foi o motivo
primeiro de eu ter decidido ir assistir à essa peça – a querida Anna Salles,
que acompanho desde a já clássica “Rapsódia na Vila do Ooh...”, de autoria de
Thião Mesquita.
Uma coisa que me chamou a atenção
na apresentação foi o fato de as músicas serem cantadas no idioma original,
sendo que alguns atores até tentaram reproduzir o forte sotaque britânico dos
vocalistas David Gilmour e Roger Waters. Considerando que, na maior parte das
vezes, as peças musicais da Broadway que chegam ao Brasil são traduzidas para o
português e que, apesar das atuações brilhantes de alguns atores daqui, como
Kiara Sasso, Saulo Vasconcelos e Daniel Boaventura, perdem um pouco do encanto
da obra original, considero uma grande coragem essa empreitada.
Tanto para o roteirista quanto
para os atores, trabalhar num idioma estrangeiro uma obra tão complexa quanto a
ópera-rock “The Wall” é, de fato, um grande desafio e exige coragem,
determinação e bom estudo do idioma e das letras das canções para se convencer
o grande público da veracidade de seus papéis. Quanto à plateia, há apenas duas
opções: para quem entende inglês e sabe o que cada verso cantado quer dizer, a
peça será bem compreendida e, gostando-se ou não da música, se saberá tudo o
que se passa no palco; já para aqueles que não compreendem a língua, resta
apreciar a sonoridade do rock britânico e/ou analisar as expressões faciais dos
atores.
Como sentei na segunda fileira,
pude perceber o rosto de cada um dos intérpretes, e reparei também no cenário e
nos efeitos especiais. Creio que a máquina engolidora de crianças
inidentificáveis e hipnotizadas, usada na música “Another Brick in the Wall –
Part II” foi uma grande sacada. O vídeo usado para melhor dosar a carga
dramática na cena do “suicídio” de Pink, durante a música “Goodbye Cruel World”,
também foi uma boa escolha, visto que a peça, como um todo, já era bem forte e
intensa.
Aproveito o momento para elogiar
a banda de apoio, que executou com firmeza e autenticidade as músicas do álbum,
tocado quase que na íntegra, e também Sálvio Neto, que deu vida ao protagonista
Pink numa atuação visceral e sincera, apesar de alguns momentos de desafinação
durante algumas músicas. Também devo elogiar a maquiagem utilizada – elemento fundamental
na transmissão da dramaticidade das cenas.
De forma geral, gostei da
apresentação da peça. Apesar da estrutura reduzida e de certos amadorismos, a
peça “The Wall – O Musical” é uma grata surpresa, e nos insere na sonoridade
progressiva e emocionante do clássico álbum do Pink Floyd, uma das bandas mais
cultuadas do mundo pelo seu virtuosismo e por suas inovações. Com mais recursos
financeiros, penso que será um grande sucesso na “Brasway”, a Broadway
brasileira.
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