Toda vez que vou ao teatro,
admito que sinto uma pontada mista de saudosismo e inveja. Fiz teatro amador
por muitos anos, atuei em algumas produções escolares em personagens tão
diversos (até um peru de Natal eu fui), mas estou longe das artes cênicas desde
2009, quando fiz minha última oficina de teatro, no Centro Educacional Leonardo
da Vinci, aqui em Brasília. Desde então, me afundei em outras coisas e deixei o
teatro de lado. Entretanto, neste ano de 2012, com a mobilidade que os horários
flexíveis das minhas aulas da UnB me permitem, e com uma maior independência de
ir e vir pela cidade (por enquanto, de ônibus, mas em breve, de carro), pude voltar
a esse universo tão diverso e tão gostoso. E como é bom!...
Hoje tive a oportunidade de
assistir à montagem acadêmica do musical norte-americano “Hair – Deixe o Sol
Entrar”, produzida pela Actus Produções e Entretenimento, no Teatro Nacional
Cláudio Santoro, Sala Villa-Lobos. Ao chegar ao teatro, me deparei com filas
quilométricas e desoladoras – até eu descobrir que todo aquele furdúncio era
culpa de um espetáculo de dança produzido pela Academia Claude Debussy, que
fazia a venda de seus ingressos hoje, e apenas hoje. Cheguei por volta das 14h
e só consegui meu ingresso do “Hair” por volta das 15h30, mas encontrei um
amigo, Henrique, que estava na fila desde 12h e ainda não conseguira comprar
seu ingresso. Enfim, com o ingresso comprado, fui esperara abrirem a sala.
Sentei-me no gargarejo: fileira A. Antes do palco, perto da minha fileira,
havia umas almofadas, colchões e pufes espalhados. Antes do início da peça,
alguns atores selecionam pessoas da plateia para sentar-se ali e curtir o
espetáculo bem de perto. Não fui selecionado para esse privilégio, mas me
realizaria bem mais tarde...
Após as tradicionais diminuições
de luz do teatro, a banda responsável por executar as músicas entrou e ocupou
seus lugares. Até então, já havia alguns atores pelo cenário – que incluía um
enorme painel colorido e psicodélico pintado à mão – e já caminhavam ou apenas
relaxavam e meditavam. A temática hippie trazida por “Hair” é um dos elementos
mais especiais da peça, uma vez que transmite uma tranquilidade e uma paz
indelével. Ao barulho dos guizos, começa a peça de fato, com a música “Aquarius”.
Aliás, vale ressaltar que as músicas foram traduzidas para o português, e
muitas das versões ficaram tão belas e eloquentes quanto às letras originais em
inglês. Para começar, uma grata surpresa: Dionne, a personagem negra que abre o
espetáculo, interpretada por Carol Araújo ou Isabelle Luz (como não conhecia os
atores, e cada personagem tem dois atores os interpretado, ficou difícil saber
quem era quem), tem uma voz absurdamente encantadora. Fiquei maravilhado com o
timbre dela – me lembrou muito N’dea Davenport, vocalista do The Brand New
Heavies.
A história de ”Hair” tem várias
pontas: Claude, o jovem rebelde convocado para a Guerra do Vietnã, mas está em
dúvida entre cumprir seu dever cívico ou lutar contra o sistema junto de seus
amigos da tribo hippie; um jovem, inominado, que acaba de chegar à tribo e
começa a aprender o verdadeiro valor das coisas; Berger, o pervertido
galanteador que só quer saber de sexo e naturismo (ele chega a ficar apenas de
tanga de palha no palco); Sheila, a universitária que é amiga dos hippies e
organiza protestos em prol das causas deles, mas não comenta isso com seus
colegas da New York University (ah, é: sim, a peça se passa num acampamento
hippie nas redondezas de Nova York.); Jeannie, a jovem grávida que passa o
tempo todo drogada, sob efeito de LSD – e protagoniza muitas das cenas mais
engraçadas da peça (Gabriela Abreu ou Maísa Lacerda, seja quem estivesse
encarnando a Jeannie na sessão das 16h30, estava excepcionalmente hilária);
Crissy, a jovem sonhadora que não consegue achar a felicidade; Woof, jovem
hippie, que diz não ser gay, mas também afirma que transaria com Mick Jagger,
vocalista dos Rolling Stones; e muitos outros personagens incríveis e
excelentes.
Como era a primeira sessão
apresentada ao grande público (excetuando a performance realizada no festival
Jogo de Cena, realizado no último Halloween, no Teatro da Caixa), era certo que
aparecessem problemas técnicos. Microfones funcionando mal; vozes confusas em
algumas partes de coro, dificultando até entender os solistas; alguns atores um
pouco desafinados (cito apenas a personagem Sheila, que teve alguns momentos em
que a voz sumia); e alguns problemas de iluminação (pelo menos, em três
ocasiões, alguns atores fazendo solos ou cantando com outros solistas não foram
focalizados pelos refletores para que o público soubesse quem estava, de fato,
cantando aquela parte). Claro que, nas próximas sessões, esse problemas deverão
ser resolvidos, mas é interessante ver que, mesmo assim, tais ocorridos não
atrapalharam o andamento do espetáculo.
Creio que a quebra da quarta
parede é o ponto mais interessante e envolvente da peça. Como disse Élia
Cavalcante, diretora geral e cênica da peça e fundadora da Actus, no
minidocumentário sobre os bastidores da peça, exibido durante o intervalo de 15
minutos entre um ato e outro, “o público acaba se tornando a tribo também”. É
exatamente isso – o público é cativado pela temática e pela interação dos
atores com ele. Por diversas vezes, atores entravam dançando e cantando pelas
escadarias do teatro, a caminho do palco, e interagindo com os espectadores, e
isso é excelente para atrair a atenção para o palco, para a história, para a
mensagem trazida. É essa mensagem – de paz, de amor, de liberdade, de poder de
escolha – que é passada.
Ao final da peça, com a
performance de “Let The Sunshine In” – mais uma vez com a excelente cantora que
interpreta a Dionne – os atores quebram de vez a quarta parede teatral e puxam espectadores
para cima do palco, a fim de entoar os versos do refrão: “deixe o sol vir/
deixe o sol entrar/ o sol entrar”. Qual não seria a minha surpresa quando a
personagem Crissy (Ana Laterza e Débora Luize) me puxou da primeira fila e me
levou para o palco. Uma vez ali, cantando junto dos atores e dos outros
espectadores convidados, pude cumprimentar o motivo de eu ter ido assistir à
peça – Lílian Sampaio, que, apesar de não sermos próximos, tenho respeito e admiração
por ela desde o tempo em que estudávamos juntos no Leonardo da Vinci, e quando
a vi como a vilã de “Rapsódia na Vila do Ooh”, no ano passado, ao lado de Anna
Salles.
Também pude entender ali, em cima
do palco principal da Sala Villa-Lobos, no Teatro Nacional de Brasília, que,
apesar de eu estudar e gostar de Ciência Política, de escrever livros e
crônicas, eu sempre terei um pé no palco. E, mesmo longe, o teatro não sai de
mim, porque eu posso ser quem eu quiser em cima do palco. Ser o Caio César todo
dia é um saco, às vezes. Mas, no palco, eu posso ser um peru de Natal; posso
ser José, pai de Jesus; posso ser Caio Lacaio, o mensageiro da princesa Branca
de Neve; posso até ser Dom Pedro II, como fui numa peça sobre as leis
abolicionistas do Brasil. Mesmo longe, eu estou sempre perto do teatro – ele está
dentro de mim, bem como a música, a dança, o cinema, as artes plásticas, e
todas as belas artes...
A Dionne da sessão que você assistiu foi a Isabelle Luz
ResponderExcluirObrigado pela informação, Gabriel!
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