domingo, 24 de fevereiro de 2013

PEÇA TEATRAL “AOS NOSSOS FILHOS” –24/02/2013

2013 foi eleito o Ano Brasil Portugal, e tal evento gerou uma troca cultural em diversas formas e mídias, com direito a shows e apresentações teatrais brasileiras sendo montadas em Portugal, e vice-versa. É nesse vice-versa que se concentra a peça que assisti hoje à noite. E é com imenso prazer que digo que “Aos Nossos Filhos” só nos mostra como ainda há tanto para se aprender no Brasil, não só com Portugal, mas com toda a Europa.
Com roteiro de Laura Castro, “Aos Nossos Filhos” conta a história de uma mãe e de uma filha que, mesmo com todas suas diferenças e brigas, dividem sentimentos e preconceitos, ao  mesmo tempo em que tentam aceitar uma à outra por completo. Vera, interpretada pela renomada atriz portuguesa Maria de Medeiros, foi guerrilheira durante o regime militar brasileiro, engravidou de um desconhecido que era companheiro de luta, mas escolheu um homem decente, mas guerrilheiro também, para criar sua filha. Tânia, interpretada pela autora da peça, Laura Castro, é homossexual, namora Vanessa (que não aparece na peça) há quinze anos, e está prestes a contar à mãe que, depois de 2 anos de tratamento, sua companheira está grávida via fertilização in vitro, e que Vera será avó. É na noite que Tânia dá tal bombástica notícia em que se passa a peça.
Fui acompanhado de Alissa, uma colega da UnB, e de Amanda e Paulo, um casal de amigos dela. A peça começa com um piano lindamente tocado por Filipe Bernardo, e Maria de Medeiros interpretando a música-tema da peça, “Aos Nossos Filhos”, de Ivan Lins, em francês. O cenário é o apartamento de Vera, e parecia ser feito de rolhas de cortiça. Um espaço adimensional, ali há cama, sofá, mesa, telefone, pote de biscoitos, mas quase todos metafóricos, imateriais. Enquanto De Medeiros cantava à meia-luz, a personagem de Castro mostrava as agruras da adolescência até o momento em que ela se assume lésbica. Então, começa a peça com Tânia batendo na porta de Vera, para a temida visita em que contaria a novidade: ela seria mãe em breve.
Com sensibilidade indelével, o modo como Tânia defende a maternidade alheia, pois foi Vanessa que decidiu engravidar pelas duas, é precioso: ela é mãe, mesmo que não tenha gerado a criança em seu ventre, e essa criança terá duas mães, sem pai nem que uma delas venha a ser o “macho da relação”. Por meio de flashbacks divagantes, entende-se melhor o pretérito da relação de mãe e filha – a conturbada infância de Tânia, que vivia de país em país ao lado de seus pais guerrilheiros e fugitivos da ditadura militar; os três casamentos de Vera, que foram infinitos (enquanto duraram, como ela mesma diz), e que acabaram todos com brigas e separações dolorosas de laços afetivos; o romance proibido de Tânia e Vanessa, relatado em cartas e e-mails trocados por elas e lidos em voz alta por aquela; e, além de outras coisas, os porquês da defesa da causa revolucionária que Vera tanto preza.  E são esses momentos que provocam uma espécie de esquizofrenia no espectador, pois elas falam ao vento mas quase interagindo com o cenário e uma com a outra.
Apesar da pesada carga dramática, há espaço para risadas. Maria de Medeiros, interpretando uma psiquiatra revolucionária, tem trejeitos exagerados e dá as melhores tiradas cômicas – destaque para a parte em que ela, simplesmente, briga com Tânia e se deita no chão, assim, sem cerimônia. À priori, pensei que o sotaque de De Medeiros fosse atrapalhar a compreensão da peça, mas ela não tem uma tonalidade lusitana muito carregada. Já Laura Castro, formada pela CAL, tem a marca registrada do Rio de Janeiro – aquele “s” que mais parece um rádio mal sintonizado, mas que derrete qualquer um que adore as cariocas (“olha que coisa bonita, mais cheia de graça,...”). De forma resumida, ambas as atrizes cativam pelo jeito de falar, além de todos os outros atributos artísticos.
A iluminação do espetáculo é precisa e certeira, focando nos momentos certos e deixando na penumbra quando necessário.  As intervenções musicais, acompanhadas ou não do piano, são simples mas emocionantes.  Tanto De Medeiros quanto Castro têm belas vozes, e fizeram bom proveito da canção de Ivan Lins. Além de tudo isso, o teatro do Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília é bem amplo e tem excelente acústica, o que permite melhor compreensão do texto.
Ao final da peça, as duas atrizes, junto de Filipe Bernardo, agradeceram a presença de todos, e Laura Castro tomou a palavra para se despedir de Brasília – a peça ficou em cartaz de 1º de fevereiro até dia 24, ou seja, hoje – e para agradecer ao apoio e patrocínio da peça. Os três deixaram o palco, e todos foram saindo da sala. Saí com a Alissa, a Amanda e o Paulo, e ficamos conversando. Do lado de fora, vi o cartaz de uma peça a estrear no mês de março, e que já planejo assistir: “Esta Criança”, com Renata Sorrah. Ou seja, aí vem mais uma resenha crítica. Depois de me despedir de todos, fiquei aguardando meus pais me buscarem. Então, tive uma agradável surpresa: vejo Maria de Medeiros, Laura Castro, e seus colegas saindo da sala de teatro. Tímido como só eu, cheguei tão discretamente que quase nem fui notado, e pedi foto e autógrafo para Maria de Medeiros, que prontamente me atendeu, e ainda me emprestou uma caneta – tenho que aprender a andar com essas coisas no bolso...
Não tenho dúvidas que a peça é excelente. Saí do teatro apaixonado pelo texto de Castro, pela atuação e pela voz de De Medeiros, e pela luta que a história propõe contra o preconceito e a favor das novas formas de família que estão surgindo. A aceitação e o respeito são fundamentais para a mudança de comportamento, e é isso que a peça procura mostrar. Todos temos preconceitos, é verdade, mas não devemos deixarmo-nos cegar por eles. E é essa a mensagem da peça: aceite o próximo, e se fará aceito também.

6 comentários:

  1. Oi, Caio muito bom e detalhado seu depoimento me senti no teatro a estória é envolvente e encantadora, assim a vida imita a arte e conseguimos aprender, superar e amar... Bjs Audrey Brants

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Audrey! É, de fato, uma história que poderia acontecer com qualquer um! Devemos aceitar o outro por completo - se não, por quê tê-lo por perto? Uma pena que fui à última apresentação, mas a peça vai para o Rio de Janeiro no mês que vem! Dar uma fugidinha num fim de semana seria ideal pra você! Hahahaha! Beijos!

      Excluir
  2. Sua sensibilidade é tocante. Sua narrativa é envolvente,esclarecedora e nos reporta às cenas e situações vividas na peça, de maneira simples e clara.
    Cada dia que vc se apresenta pra vida é um alento aos que te conhecem e admiram.
    Parabéns.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigado, tia Wany! Agradeço do fundo do coração pela atenção e pela força! Continue acompanhando o blog porque sempre posto textos desse naipe! Um beijão, sua linda!

      Excluir
  3. Anônimo8:31 PM

    Oi Caio! Adorei seu depoimento.Pude repassar a peça inteira lendo sua narrativa. A história foi realmente incrível e as atrizes são muito talentosas.Quem sabe não aparece outro teatro com elas... Eu, a Amanda e o Paulo gostamos muito de ter assistido essa peça.Recomendo que assista também "Arresolvido", uma peça de teatro que está sendo exibida no CCBB. Bjs

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Alissa! Vc bem que podia ter posto seu nome no comentário - só sei que foi vc porque vc me avisou! Que bom que vc gostou do texto - escrevo sempre uns textos bacanudos pro blog! Visite-me mais vezes! Saudades! Bjos!

      Excluir