2013
foi eleito o Ano Brasil Portugal, e tal evento gerou uma troca cultural em
diversas formas e mídias, com direito a shows e apresentações teatrais
brasileiras sendo montadas em Portugal, e vice-versa. É nesse vice-versa que se
concentra a peça que assisti hoje à noite. E é com imenso prazer que digo que “Aos
Nossos Filhos” só nos mostra como ainda há tanto para se aprender no Brasil,
não só com Portugal, mas com toda a Europa.
Com
roteiro de Laura Castro, “Aos Nossos Filhos” conta a história de uma mãe e de
uma filha que, mesmo com todas suas diferenças e brigas, dividem sentimentos e
preconceitos, ao mesmo tempo em que
tentam aceitar uma à outra por completo. Vera, interpretada pela renomada atriz
portuguesa Maria de Medeiros, foi guerrilheira durante o regime militar
brasileiro, engravidou de um desconhecido que era companheiro de luta, mas
escolheu um homem decente, mas guerrilheiro também, para criar sua filha. Tânia,
interpretada pela autora da peça, Laura Castro, é homossexual, namora Vanessa
(que não aparece na peça) há quinze anos, e está prestes a contar à mãe que,
depois de 2 anos de tratamento, sua companheira está grávida via fertilização in vitro, e que Vera será avó. É na
noite que Tânia dá tal bombástica notícia em que se passa a peça.
Fui
acompanhado de Alissa, uma colega da UnB, e de Amanda e Paulo, um casal de
amigos dela. A peça começa com um piano lindamente tocado por Filipe Bernardo,
e Maria de Medeiros interpretando a música-tema da peça, “Aos Nossos Filhos”,
de Ivan Lins, em francês. O cenário é o apartamento de Vera, e parecia ser
feito de rolhas de cortiça. Um espaço adimensional, ali há cama, sofá, mesa,
telefone, pote de biscoitos, mas quase todos metafóricos, imateriais. Enquanto
De Medeiros cantava à meia-luz, a personagem de Castro mostrava as agruras da
adolescência até o momento em que ela se assume lésbica. Então, começa a peça
com Tânia batendo na porta de Vera, para a temida visita em que contaria a
novidade: ela seria mãe em breve.
Com
sensibilidade indelével, o modo como Tânia defende a maternidade alheia, pois
foi Vanessa que decidiu engravidar pelas duas, é precioso: ela é mãe, mesmo que
não tenha gerado a criança em seu ventre, e essa criança terá duas mães, sem
pai nem que uma delas venha a ser o “macho da relação”. Por meio de flashbacks divagantes, entende-se melhor
o pretérito da relação de mãe e filha – a conturbada infância de Tânia, que
vivia de país em país ao lado de seus pais guerrilheiros e fugitivos da
ditadura militar; os três casamentos de Vera, que foram infinitos (enquanto
duraram, como ela mesma diz), e que acabaram todos com brigas e separações dolorosas
de laços afetivos; o romance proibido de Tânia e Vanessa, relatado em cartas e
e-mails trocados por elas e lidos em voz alta por aquela; e, além de outras
coisas, os porquês da defesa da causa revolucionária que Vera tanto preza. E são esses momentos que provocam uma espécie
de esquizofrenia no espectador, pois elas falam ao vento mas quase interagindo
com o cenário e uma com a outra.
Apesar
da pesada carga dramática, há espaço para risadas. Maria de Medeiros,
interpretando uma psiquiatra revolucionária, tem trejeitos exagerados e dá as
melhores tiradas cômicas – destaque para a parte em que ela, simplesmente,
briga com Tânia e se deita no chão, assim, sem cerimônia. À priori, pensei que o sotaque de De Medeiros fosse atrapalhar a
compreensão da peça, mas ela não tem uma tonalidade lusitana muito carregada.
Já Laura Castro, formada pela CAL, tem a marca registrada do Rio de Janeiro –
aquele “s” que mais parece um rádio mal sintonizado, mas que derrete qualquer
um que adore as cariocas (“olha que coisa bonita, mais cheia de graça,...”). De
forma resumida, ambas as atrizes cativam pelo jeito de falar, além de todos os
outros atributos artísticos.
A
iluminação do espetáculo é precisa e certeira, focando nos momentos certos e
deixando na penumbra quando necessário. As intervenções musicais, acompanhadas ou não
do piano, são simples mas emocionantes. Tanto De Medeiros quanto Castro têm belas vozes,
e fizeram bom proveito da canção de Ivan Lins. Além de tudo isso, o teatro do
Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília é bem amplo e tem excelente
acústica, o que permite melhor compreensão do texto.
Ao
final da peça, as duas atrizes, junto de Filipe Bernardo, agradeceram a
presença de todos, e Laura Castro tomou a palavra para se despedir de Brasília –
a peça ficou em cartaz de 1º de fevereiro até dia 24, ou seja, hoje – e para
agradecer ao apoio e patrocínio da peça. Os três deixaram o palco, e todos
foram saindo da sala. Saí com a Alissa, a Amanda e o Paulo, e ficamos
conversando. Do lado de fora, vi o cartaz de uma peça a estrear no mês de março,
e que já planejo assistir: “Esta Criança”, com Renata Sorrah. Ou seja, aí vem
mais uma resenha crítica. Depois de me despedir de todos, fiquei aguardando
meus pais me buscarem. Então, tive uma agradável surpresa: vejo Maria de
Medeiros, Laura Castro, e seus colegas saindo da sala de teatro. Tímido como só
eu, cheguei tão discretamente que quase nem fui notado, e pedi foto e autógrafo
para Maria de Medeiros, que prontamente me atendeu, e ainda me emprestou uma
caneta – tenho que aprender a andar com essas coisas no bolso...
Não
tenho dúvidas que a peça é excelente. Saí do teatro apaixonado pelo texto de
Castro, pela atuação e pela voz de De Medeiros, e pela luta que a história
propõe contra o preconceito e a favor das novas formas de família que estão
surgindo. A aceitação e o respeito são fundamentais para a mudança de
comportamento, e é isso que a peça procura mostrar. Todos temos preconceitos, é
verdade, mas não devemos deixarmo-nos cegar por eles. E é essa a mensagem da
peça: aceite o próximo, e se fará aceito também.
Oi, Caio muito bom e detalhado seu depoimento me senti no teatro a estória é envolvente e encantadora, assim a vida imita a arte e conseguimos aprender, superar e amar... Bjs Audrey Brants
ResponderExcluirObrigado, Audrey! É, de fato, uma história que poderia acontecer com qualquer um! Devemos aceitar o outro por completo - se não, por quê tê-lo por perto? Uma pena que fui à última apresentação, mas a peça vai para o Rio de Janeiro no mês que vem! Dar uma fugidinha num fim de semana seria ideal pra você! Hahahaha! Beijos!
ExcluirSua sensibilidade é tocante. Sua narrativa é envolvente,esclarecedora e nos reporta às cenas e situações vividas na peça, de maneira simples e clara.
ResponderExcluirCada dia que vc se apresenta pra vida é um alento aos que te conhecem e admiram.
Parabéns.
Muito obrigado, tia Wany! Agradeço do fundo do coração pela atenção e pela força! Continue acompanhando o blog porque sempre posto textos desse naipe! Um beijão, sua linda!
ExcluirOi Caio! Adorei seu depoimento.Pude repassar a peça inteira lendo sua narrativa. A história foi realmente incrível e as atrizes são muito talentosas.Quem sabe não aparece outro teatro com elas... Eu, a Amanda e o Paulo gostamos muito de ter assistido essa peça.Recomendo que assista também "Arresolvido", uma peça de teatro que está sendo exibida no CCBB. Bjs
ResponderExcluirObrigado, Alissa! Vc bem que podia ter posto seu nome no comentário - só sei que foi vc porque vc me avisou! Que bom que vc gostou do texto - escrevo sempre uns textos bacanudos pro blog! Visite-me mais vezes! Saudades! Bjos!
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