Na noite de 30 de março, eu estava um tanto chateado. Minha avó materna Shirley, grande companheira de shows, fora hospitalizada recentemente por conta de uma queda e fora submetida a uma cirurgia. Depois de vinte dias de férias da UnB, minha aula está prevista para começar dia 1º de abril – e, sim, já esgotei todo o meu estoque de piadas prontas com relação à data do Dia da Mentira – e eu vou voltar à minha vida de acordar cedo, estudar o dia inteiro, chegar em casa e ainda ter trabalho para fazer, e dormir tarde, para acordar cedo no dia seguinte, e a história toda se repetir. E, então, eis que surge uma figura exótica e andrógina, toda brilhante e sensual em uma roupa de lantejoulas, e abre a boca com aquela voz fina porém firme, que derrete qualquer coração duro e triste: Ney Matogrosso se apossara do palco do Auditório Master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães.
Depois de quase dois anos de eu ter assistido ao primeiro show solo de Sandy naquele auditório, lá estava eu de volta. Mas, desta vez, eu iria assistir um dos maiores nomes da MPB e do rock brasileiro, o sul-mato-grossense Ney de Souza Pereira, o grande Ney Matogrosso. Claro, grande só no nome e na fama, porque Ney é franzino e baixinho, mas isso são detalhes... Cheguei ao Centro de Convenções por volta das 20h10, com o espetáculo previsto para começar às 21h. Sentei no setor VIP Lateral – o mesmo setor onde eu sentara no show da Sandy – e, mesmo não enxergando muito bem, era excelente para curtir o show. Sentaram ao meu lado um homem e uma mulher muito simpáticos, ambos trabalham no Hospital Sarah Kubistchek, e batemos um divertido papo antes do início do show.
O palco do auditório havia sido diminuído por cortinas para apenas uma estrutura básica no centro, com refletores por todos os lados e três telões de LED ao fundo, que passavam imagens divididas em três partes durante as músicas. Com uma banda modesta, Ney Matogrosso fez um espetáculo diferente e ousado, ao não cantar nenhuma música de seu repertório comum – apenas uma música dos Secos & Molhados, “Amor”, foi tocada, e apenas no bis. Com patrocínio do Natura Musical, projeto de apoio à cultura promovido pela empresa de cosmética Natura, a turnê “Atento aos Sinais” irá excursionar o Brasil para mostrar este projeto diferente de Ney Matogrosso, e apenas virará DVD depois de encerrada a turnê. Com sua energia e sua vitalidade, Ney Matogrosso, de 71 anos, é uma figura rara no que concerne à vanguarda do movimento andrógino, que hoje hipnotiza plateias no elegante mundo da moda. Antes que fosse chique homem se vestir de mulher, Ney já era um transformista malicioso em cima dos palcos em que pisava com sua banda Secos & Molhados, onde ficou apenas um ano, e sozinho, com a carreira solo que começou logo em seguida e segue até hoje.
Com apenas dez minutos de atraso, Ney Matogrosso subiu ao palco do Centro de Convenções às 21h10, com a música “Rua da Passagem”, de autoria de Arnaldo Antunes e Lenine. Vestido todo de lantejoulas, Ney era a síntese do brilho no palco. Logo em seguida, veio a incendiária “Incêndio”, da banda Urge, e de autoria de Pedro Luís (mais conhecido por sua banda Pedro Luís e a Parede), e a eterna “Vida Louca Vida”, do mestre Lobão. Devo admitir que apenas essa e “Amor”, dos Secos & Molhados, eram as únicas músicas que eu conhecia do setlist do show, mas também gostei de conhecer novas músicas. Meu iPhone vai ser renovado com as músicas do show – aliás, tive que fazer umas gambiarras para conseguir registrar todo o show do Ney no meu celular, que estava ficando sem memória (ele só tem 16 GB, o que é pouquíssimo para alguém viciado em música como eu, mas eu me viro com ele...). Em seguida, veio “Roendo as Unhas”, do Paulinho da Viola, e “Noite Torta”, de Itamar Assumpção (recentemente redescoberto pelos chamados hipsters, mas que tem mesmo letras muito bonitas, e não é apenas um compositor ruim ressuscitado das cinzas pelos ditadores da moda).
Ney, então, cantou “A Ilusão da Casa”, de Vitor Ramil, e sempre muito sensual, dançando muito e cantando como só ele sabe cantar. Então, veio o êxtase do show: o strip-tease de Ney Matogrosso, em cima do palco! Ney fez uma troca de figurino na frente do Auditório Master completamente lotado, levando a multidão à loucura, e seguiu cantando “Two Naira Fifty Kobo”, do grande poeta Caetano Veloso, enquanto os telões mostravam imagens de tribos indígenas em suas atividades cotidianas. Para completar o clímax do espetáculo, Ney cantou “Freguês da Meia-Noite”, música do rapper paulistano Criolo, que recentemente se apresentou com Ney na performance dessa música, de uma forma tão sensual e explícita que provocou verdadeiro estrondo na mídia.
Veio, então, “Isso Não Vai Ficar Assim”, mais uma obra de Itamar Assumpção. “Pronomes”, da banda Zabomba, é uma excelente aula de português para estes músicos de agora. “Imagina”, de autoria de Evelyn Lechunga, no arranjo de Ney, virou um bolero muito gostoso e provocativo. “Não Consigo”, da banda Tono, é uma deliciosa letra sobre sexo, e apesar de interpretada por uma mulher, vira uma bomba na mão de Ney, que se derrete feito uma bombshell com uma performance bem erótica. Aliás, erotismo é quase um sinônimo - ou seria uma extensão? - de Ney Matogrosso.
“Fico Louco”, música seguinte, é mais um belo poema musicado de Itamar Assumpção, e ficou linda na voz de Ney. Em seguida, “Tupi Fusão”, do alagoano Vitor Pirralho, rapper underground que é professor de literatura brasileira. Em seguida, o divertido “Samba do Blackberry”, da banda Tono, fala de um rapaz antiquado trocado pela namorada pelo aparelho celular da referida marca. Para encerrar o show, Ney escolheu “Todo Mundo O Tempo Todo”, do paulistano Dan Nakagawa. Mas é claro que Ney Matogrosso não iria embora de Brasília, cidade onde começou sua carreira artística, sem um bis. E ele voltou! Apresentando “Amor”, única canção já executada em turnês anteriores, do extinto grupo Secos & Molhados. Em seguida, a belíssima “Astronauta Lírico”, de Vítor Ramil, durante a qual foram soltas bolhas de sabão por todo o palco e por cima da plateia da área VIP Central. Ney agradeceu com toda a banda e saiu do palco.
Sob gritos de “bis” e “mais um”, Ney Matogrosso voltou ao palco sozinho, quando as luzes já estavam acesas e todos se dirigiam para as saídas, e disse que, como era um repertório diferente, ele não iria fazer um segundo bis naquela noite, “porque não ensaiamos mais nada”, como ele mesmo disse. Agradeceu mais uma vez e saiu, para desalento do público, que, poucos segundos depois, foi informado pelo locutor do show que, devido ao grande sucesso do espetáculo e à lotação esgotada, Ney voltará à Brasília no mês de outubro para mais um show.
Adorei o show, mas senti falta dos clássicos. Sou um tradicionalista, e o experimentalismo de Ney Matogrosso, apesar de muito interessante, não me permitiu vê-lo executar hinos como “Rosa de Hiroshima”, “O Vira” e “Da Cor do Pecado”, nem suas famosas regravações de “Nada Por Mim”, de Paula Toller e Herbert Vianna, ou “A Distância”, de Roberto Carlos. Entretanto, foi uma excelente pedida para este fim de semana tão triste que eu estava passando. Nem a volta às aulas da UnB vão tirar minha alegria de ter visto o magnífico espetáculo de Ney Matogrosso. Quem puder assisti-lo nos outros shows Brasil afora, não perca a oportunidade!
Seus posts são muito longos, dá preguiça de ler...
ResponderExcluirMeus posts são longos porque são completos. Eu não deixo escapar nada importante, e fazer o relato de um concerto implica em muitos aspectos de suma importância. Se você, caro anônimo, tem preguiça de ler os posts, me resta apenas compreender que você não gosta de ter as coisas completas - pela metade está de bom tamanho. Desculpa, pra mim não está. Abraços e volte sempre!
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