Ele é um autor, um teatrólogo, um dramaturgo, em busca do texto perfeito para a peça de teatro que prometeu a um ator que encontrou em uma festa, logo após Berenice tê-lo deixado. Descrito pela esposa como um homem que vive com a cabeça no mundo da lua, ele, deprimido com a separação, decide se tornar um novo homem – desenterra aquela gravata estampada que Berenice lhe deu e ele nunca usou, e aquele chapéu panamá que ela lhe trouxe de Havana, veste um sobretudo preto sobre um paletó branco, e vai para uma festa. Lá, ele fica na varanda, esperando que Berenice apareça na festa. E cada segundo que ela demora, ele fica mais e mais ansioso, e desesperançoso. Quando vê que ela não vai aparecer, sai da varanda e vai até a mesa de canapés – e o canapé está horrível, tão horrível que ele cospe e guarda no bolso, para não ficar feio. Então, ele escuta um ator conversando com seus amigos, e ele diz que está à procura de uma peça de teatro para atuar. Mais do que rapidamente, o autor se apresenta, e diz que tem a peça que o ator procura. E o ator aceita. E ele se lembra de que não tem peça nenhuma. E ele precisa escrever a peça, pois encontrará o ator no dia seguinte.
Ele tem apenas 8 horas para começar e terminar a peça – e é claro que ele não escreve a peça, mas passa esse tempo contando de sua vida, de seus trabalhos (um “quase-livro”, um “quase-filme”, uma “quase-peça”,... tudo quase existiu), de suas ex-namoradas (apenas cinco antes de Berenice), de suas dívidas (lhe cortaram telefone e gás), e até de sua empregada (que o perturbava com seu aspirador de pó na hora em que ele estava pensando em seus “quases”). Ele, agora, está sozinho, em seu apartamento, no silêncio. Em cima de um palco, um homem, pensando...
A peça tem um interessante jogo de luzes, com marcações de cena bem abruptas, e uma trilha sonora quase toda instrumental – Duvivier interpreta duas canções, escritas para Berenice, para tentar esquecê-la. E é claro que ele não consegue – Berenice é a mulher da sua vida, e cada suspiro seu é totalmente devotado a ela e a suas vontades e caprichos. O texto é de João Falcão – pai de Clarice Falcão, atriz e cantora casada com Gregório Duvivier, o protagonista – e foi montado originalmente em 1998, com Marco Nanini no papel. Na ocasião, a peça foi laureada por diversos prêmios: Nanini ganhou o troféu de melhor ator pela Associação Paulistana de Críticos de Arte (APCA); Falcão, o Prêmio Shell de melhor autor; e a peça, o Prêmio Sharp de melhor espetáculo do ano. Em 2012, Duvivier, por influência de Clarice, decidiu remontar a peça, e está arrasando nas bilheterias desde então.
Encontrei no hall do teatro a Lílian Sampaio, que participou das peças Rapsódia na Vila do Ooh... e Hair – Deixe o Sol Entrar, as quais assisti e muito gostei - até resenhei Hair, como muitos devem se lembrar. Conversei um tempo com ela e com sua amiga que a acompanhava, e acabamos sentados longe um do outro. Não importa – foi muito bom reencontrá-la. Obrigado pela companhia, Lílian!
Gregório Duvivier fez um belíssimo e primoroso trabalho em Uma Noite na Lua, e seu humor, tão explorado no canal do YouTube Porta dos Fundos, do qual é sócio e cofundador, aflora de forma espontânea e sublime no texto. Seu jeito de fazer drama parece engraçado por vezes, mas é ali que ele mostra a que veio – lágrimas acontecem mesmo quando, depois de deitar no chão, arrancar os sapatos, conversar com o chapéu, e fumar seu cigarro eletrônico que solta vapor d’água, ele se ajoelha e lamenta a partida de Berenice. Duvivier é, de fato, um dos grandes atores que estão surgindo atualmente, e tem forte potencial tanto para a comédia quanto para o drama. Espero vê-lo em muitas outras peças teatrais – ele é um ator para se ver e rever.
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