Encenar clássicos da tragédia grega, atualmente, tornou-se um tanto antiquado, diante das novidades tecnológicas que invadem os cinemas e, até mesmo, os teatros - vide os musicais da Broadway, que começam a galgar espaços cada vez mais importantes no Brasil. Entretanto, clássicos como "Antígona", "Prometeu Acorrentado" e "Édipo Rei" não perdem seu charme nem sua elegância. Para montar uma tragédia grega clássica de forma a contemplar a contemporaneidade do teatro, o diretor Guilherme Leme Garcia optou por pôr em cena três monólogos, cada uma expondo todas as dores das tragédias sofridas por Antígona, Electra e Medeia. Foi, decerto, uma escolha bem acertada, porque "TRÁGICA.3" é um espetáculo de encher os olhos e os ouvidos.
Cheguei ao teatro com cerca de uma hora de antecedência, e me permiti desfrutar um pouco das outras exposições no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde o espetáculo está sendo encenado desde 31 de outubro, e continuará até 30 de novembro, sempre de quinta-feira a domingo, ao preço de R$5,00 a meia-entrada. Menos de vinte minutos antes do início, as portas foram abertas, e já fui em direção ao meu assento, na segunda fileira. Antes do início do espetáculo, foram feitos diversos pedidos da produção para que celulares e aparelhos eletrônicos fossem desligados - inclusive um pedido de Denise Del Vecchio, uma das atrizes principais da peça, defendendo a importância do silêncio e do escuro para o sucesso do espetáculo, e pedindo respeito pelo solo sagrado do palco, gerando uma torrente de aplausos.
Letícia Sabatella em cena como Antígona
"TRÁGICA.3" começa com o texto "Antígona", de Caio de Andrade, baseado na obra homônima de Sófocles. Letícia Sabatella encarna a heroína que deseja enterrar seu irmão, Polinices, com as honrarias devidas, após uma sangrenta batalha com Etéocles, seu outro irmão que disputava com ele o trono de Tebas, após a morte de seus pais, Édipo e Jocasta. Quem assume o trono é Creonte, tio dos irmãos, e Antígona se torna a principal inimiga do rei. Só que ocorre que Antígona é noiva de Hêmon, filho de Creonte, e este não quer ter sua noiva como inimiga da família. Contrariando os pedidos insistentes do filho, Creonte ordena que Antígona seja enterrada viva, e Hêmon, sem suportar a dor, comete suicídio. No palco, apenas Letícia Sabatella, que atua, canta, e toca teclado e bumbo; Fernando Alves Pinto, que assume o papel de Hêmon, noivo de Antígona, e que toca teclado, clarinete, viola e bumbo; e Marcello H, que assume os
samplers, que gravam os cânticos que Sabatella entoa para seu irmão falecido e desterrado. O primeiro monólogo é lindo e lírico, e aqui é preciso fazer um adendo - na verdade, cada texto é encenado por um ator e uma atriz, mas a atriz fala cerca de 80% do tempo, então, informalmente, é um "duólogo".
Antígona
O segundo monólogo conta a história de Electra, com texto de Francisco Carlos, adaptado do texto homônimo do mesmo Sófocles - a versão escrita por Eurípedes é bem distinta da proposta deste texto. Em cena, Miwa Yanagizawa interpreta Electra, filha de Agamêmnon e de Clitemnestra, que pretende vingar o assassinato do pai pela própria mãe, e por seu amante, Egisto; Marcello H, que interpreta Orestes, irmão gêmeo de Electra, que ela o salvou das garras da mãe e que a ajudará no seu plano de assassinar Clitemnestra. A história é bem contada, mas é menos musical do que o primeiro bloco - Yanagizawa não tem experiência como cantora, nem tem o carisma de Letícia Sabatella para assumir o microfone dessa forma. Entretanto, a atriz é sublime e acerta na dramaticidade exigida para o papel da filha que quer vingar a morte do pai, que secretamente desejava sexualmente, arquitetando a morte da mãe, com a ajuda de seu irmão.
Electra
O terceiro e último monólogo é de Medeia, adaptado do texto "Medeamaterial", de Heiner Müller, com tradução de Monique Gardenberg e Guilherme Leme Garcia, originado do texto homônimo de Eurípedes. Denise Del Vecchio é Medeia, a esposa traída de Jasão que quer vingança, depois de ter sido obrigada pelo marido a matar seu irmão para atrasar seu pai, que perseguia o casal, e que foi trocada por Gláucia, filha de Creonte; e Fernando Alves Pinto aparece brevemente como Jasão, o marido traidor, que sofrerá até as últimas consequências a dor da vingança de Medeia. Paulatinamente, Medeia arquiteta um plano maléfico para matar Gláucia, vestindo-lhe seu antigo vestido de noiva e a transformando em chamas, e, então, matar seus filhos. Medeia planeja tudo friamente, e Del Vecchio faz uma Medeia completamente psicopata e desbocada, soltando vários xingamentos derivados da adaptação moderna do texto de Eurípedes pelo dramaturgo alemão Heiner Müller.
Medeia
Em suma, os três textos são esplêndidos e prendem o público nas histórias doloridas das heroínas gregas. As três atrizes são brilhantes em cena, e os dois atores e músicos, apesar de não atuarem tão bem, são excelentes musicistas e transformam o som em um personagem onipresente no espetáculo. A iluminação, de Tomás Ribas, é um desbunde, e o figurino, de Glória Coelho, é simples mas elegante. Aliás, analisando a ficha técnica da peça, confesso que me surpreendi ao ler o nome de Cecília Dassi, uma das grandes atrizes mirins da década de 1990, como assistente de direção - fico muito feliz em saber que ela continua no mundo artístico, mesmo que seja nos bastidores.
Letícia Sabatella, Guilherme Leme Garcia e Cecília Dassi nos bastidores de "TRÁGICA.3"
Ao final da peça, tive uma grata surpresa e um belo presente para fechar com chave de ouro a minha noite. Saindo da sala de teatro, me encontrei inesperadamente com minha grande e querida amiga Alissa, que foi assistir "TRÁGICA.3" acompanhada de sua família - que delícia encontrar você, Alissa! Depois de todos os espectadores terem se misturado aos outros visitantes do CCBB, fui para saída dos atores, e consegui tirar uma foto e pegar um autógrafo de Letícia Sabatella, que foi muito simpática e educada, atendendo não só a mim, mas a todos os outros fãs que ali a esperavam. Infelizmente, Denise Del Vecchio passou por ali com muita pressa e não pude cumprimentá-la, e tampouco vi Miwa Yanagizawa ou Cecília Dassi...
Letícia Sabatella e eu - foi muito bom poder cumprimentá-la!
A peça foi sublime e, diante do preço do ingresso, espero poder voltar mais vezes, porque este é, sim, um espetáculo para se assistir várias vezes, de tão bom que é!!!
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