segunda-feira, 27 de julho de 2015

Resenha do disco "Cerebral", de Caio Bosco

A sonoridade praiana de Caio Bosco já havia se mostrado matéria-prima para trabalhos de alta qualidade, como em seu EP "Diamante" (2009) e o seu disco de estreia, autointitulado (2012). Em "Cerebral", seu segundo disco de estúdio, Bosco volta com sua ginga caiçara, que mistura a psicodelia do rock progressivo e as batidas do reggae. O disco traz na capa uma belíssima obra de arte, assinada por Cristiano Sidoti, que evoca o mar e seus mistérios de forma revolta e impressionista - a pintura é linda e carrega texturas emocionais profundas.

Capa do disco "Cerebral", de Caio Bosco. Créditos: Caio Bosco - Site Oficial/ Divulgação

Para compor as músicas de "Cerebral", Caio Bosco buscou o ineditismo, abrindo-se para composições em parcerias - entram aí Juca Lopes (bateria), Fábio Peracini (baixo), Davi Karnauchovas (piano elétrico e sintetizador), e DJ Beto Machado (scratches). Bosco também está na ficha técnica do disco, como vocais, backing vocals, guitarra, sintetizadores, overdubs, além de produção e direção musical. "Cerebral" foi mixado de forma analógica no Watermark Studios (Filadélfia, EUA), e masterizado em Nova York (EUA). Aliás, o conceito do disco deriva todo do uso de métodos analógicos de gravação e captação de som - de acordo com o cantor, " as bases do álbum foram gravadas de maneira analógica [...], com toda a banda tocando junta em uma sala na casa da minha mãe em Guarujá, litoral de São Paulo. [...] Seguindo esse conceito desde o início, muitos dos instrumentos, inclusive todos os vocais foram gravados na integra, sem manipulações e correções digitais".

Caio Bosco. Créditos: Andressa Passetti

Pela ordem das músicas no disco, o Música Na Vida escutou "Cerebral" na íntegra, disponibilizado no SoundCloud do artista, além de estar à venda em formato digital na Apple Music e em streaming no Spotify. Aqui vão as nossas impressões:


O disco começa com "Somos do Litoral", que já chega com uma sensacional abertura, trazendo guitarras pesadas em uma embalagem de rock progressivo, trazendo elementos de trabalhos do Pink Floyd e da lisergia do The Flaming Lips, além de uma letra bem bairrista e que visa a elevar poeticamente os caiçaras do Guarujá. Em seguida, é a vez de "Assim Falou O Sábio Milton Santos", que traz uma batida reggae misturada à uma letra politizada e a efeitos de overdubs bem psicodélicos, realizados com a ajuda de um piano elétrico Suette da década de 1970, além de homenagear de forma eloquente a trajetória do geógrafo Milton Santos - que participa da música através de trechos de entrevistas suas. Após essa, "Escada Invisível" traz um Caio Bosco mais pop, com uma letra romântica porém não menos politizada - além de falar de amor, também fala de política, de economia e de preservação do meio ambiente; além disso, a levada pop, obtida através de efeitos bem interessantes de sintetizadores, lembram, em muitos momentos, alguns sons experimentais do brit pop do Oasis e do Blur.

Créditos: Andressa Passetti

A faixa seguinte é a primeira instrumental de "Cerebral": "Obrigado Parra!", em homenagem ao DJ Wagner Parra, proprietário da loja de disco Disqueria, localizada em Santos (SP), que muito ajudou Bosco no início de sua carreira musical; a instrumentação resgata a sonoridade de "Mendigos de Amor", do disco der estreia de Caio Bosco, e é bem gostosa de se ouvir. Em seguida, "Música Religião" traz uma bela introdução à la Pink Floyd e uma letra bem mística e espiritualizada, junto de uma sonoridade de jam session, graças ao trabalho analógico de gravação utilizado neste disco; a voz de Bosco está bem cristalina e afinada, e a instrumentação segue na linha lisérgica previamente adotada pelo artista em seus trabalhos anteriores. Logo após, "Bem Que Você Chegou" retoma o pop com crítica social, falando sobre o consumismo e a obsolescência programada da tecnologia produzida atualmente; é possível, assim, estabelecer uma interpolaridade desta canção com o clássico "Cérebro Eletrônico" de Gilberto Gil (1969), que traz a mesma temática e o mesmo senso de humor.

"Cérebro Eletrônico", de Gilberto Gil - escute e encontre as semlhanças com "Bem Que Você Chegou"!

A sétima faixa do disco é "Tony Villela", uma linda elegia instrumental composta em homenagem ao surfista e bombeiro homônimo, morto em 2008 depois de salvar pessoas na Praia das Pitangueiras, no Guarujá, deixando esposa e filha; a música é triste, com forte influência do blues, fugindo do estereótipo da surf music. Em seguida, "Paciência, Paciência, Paciência" traz uma letra totalmente caiçara, com um arranjo calcado no indie pop - lembrando Arctic Monkeys em certos momentos - e no lounge - os backing vocals de Bosco são deliciosos e relaxantes. Após esta, a penúltima música do disco, "Jalsaghar", é uma homenagem ao filme indiano homônimo de 1958, dirigido por Satyajit Ray, e evoca uma atmosfera jazzística de um fim de noite em um cabaré parisiense, levando o ouvinte a uma viagem musical de diversos timbres eletrônicos.

Créditos: Andressa Passetti

Por fim, a música que fecha "Cerebral" é "O Astro Rei", escolhida como o primeiro single do disco. A batida lembra Pink Floyd, como quase todo o disco, além de Radiohead, devido à mistura de texturas musicais e de instrumentos diversos, junto da sonoridade lisérgica trazida pelas guitarras e pelos scratches. À certa altura, parece que a música abarca todo o conceito do famoso musical de Galt MacDermot, "Hair", por conta da temática e das imagens que letra e melodia trazem à mente. De fato, uma linda faixa de encerramento para um trabalho tão caprichoso.

Créditos: Andressa Passetti

Caio Bosco se mostra um artista completo desde o EP "Diamante", e "Cerebral" vem para mostrar ao público seu amadurecimento enquanto instrumentista. Suas experimentações com a música eletrônica e a psicodelia do rock progressivo dos anos 1970 trazem para este trabalho um ar mais cult, podendo ser comparado com o pioneirismo de Thom Yorke no Radiohead e de Michael Stipe no R.E.M. De forma geral, "Cerebral" preza pelo experimentalismo sem cair na esquisitice, com uma sonoridade ímpar no atual cenário musical brasileiro - sem dúvida, vale a pena a audição para quem busca "sair da casinha".

O EP "Diamante", do Caio Bosco, foi o meu primeiro contato com a obra desse artista genial - você também deveria experimentar!

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