domingo, 18 de setembro de 2016

Peça "Histeria" - Apresentação de 17/09/2016

Dizer que "Histeria" é apenas uma reflexão surrealista de um Sigmund Freud à beira da morte seria reducionismo, mas é este o fio condutor da narrativa dessa peça impecável. Com texto original de Terry Johnson, e tradução e direção de Jô Soares, "Histeria" conta, a partir de um fato real, o delirante encontro entre o pai da psicanálise e Salvador Dalí, o nome de maior destaque do Surrealismo europeu, e como, no seu leito de morte, depois de abandonar a Áustria invadida pelos nazistas para se refugiar na Inglaterra, Freud foi confrontado e coagido por seus erros pretéritos.

Créditos: Renata Macedo - Tumblr/ Priscila Prade - Instagram Divulgação

Notadamente uma figura machista e misógina, o psicanalista recebe, no meio de uma chuvosa madrugada, a visita inesperada e impertinente de uma garota misteriosa e, como diz o título da peça, histérica. A moça quer ser analisada por Freud, mas este, já bem debilitado pelo câncer de palato que o levaria a óbito, se recusa a atendê-la; no entanto, isso é apenas uma desculpa para revelar uma história de vida bem sofrida e um passado familiar tenebroso, e que passa por um período obscuro da vida de Freud. A história dela se baseia livremente no caso de Anna O - pseudônimo de uma paciente de Josef Breuer, amigo de Freud e também psicanalista - e, por meio dele, faz uma ferrenha porém contundente crítica ao machismo de Freud e à sua questionável visão sobre o modelo psicossexual.

Créditos: Blog do Arcanjo - UOL/ Priscila Prade

Mais do que mostrar personagens reais em situações farsescas, o texto de "Histeria" traz uma mensagem de suma importância em tempos de luta feminista e empoderamento feminino acerca do pensamento incensado de Freud, que deve, sim, ser amplamente questionado mediante a desconstrução social da misoginia.

Créditos: RS Bloggers/ Priscila Prade

Em cena, um elenco não apenas impecável, mas também de talento ímpar: interpretando Sigmund Freud, Pedro Paulo Rangel brilha em cena com sua performance catártica, dosando corretamente as tintas do humor e do drama; interpretando Salvador Dalí, Cássio Scapin transborda insanidade e um espírito lúdico e nonsense, além de ser o alívio cômico das cenas mais dramáticas entre Freud e a garota; aliás, falando nela, a personagem inominada de Erica Montanheiro (seu nome só revelado na cena final) é um primor de construção da atriz, com um histrionismo fora de série e uma encantadora capacidade de passar da farsa para o drama em questão de segundos; por fim, mas não menos importante, o médico judeu de Freud, o senhor Yahuda, interpretado por Milton Levy, é o ponto de sanidade da turma - pero no mucho, já que todos à sua volta parecem dispostos a ensandecê-lo.

Créditos: Morente Forte Comunicações

Sem dúvida, o texto de Johnson é brilhante, e a tradução de Soares é bem fiel à proposta original. A montagem também tem por trunfos a iluminação irretocável de Maneco Quinderé, o videografismo belíssimo de André Grynwask e Pri Argoud, e a trilha sonora original de Ricardo Severo e Eduardo Queiroz - sem estes elementos, o roteiro estaria incompleto. Vale, sim, o preço do ingresso, e decerto pode ser assistida mais de uma vez - eu assistiria, se tivesse nova oportunidade.

Créditos: TV e Famosos - UOL

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