Hoje teremos a terceira parte do conto "Foco de Luz ou Super Trouper", de minha autoria! Espero que vocês estejam gostando da história, e que leiam o conto até o final!
Abraços,
Caio César.
***
Foi, então, no Natal de 1988 que Gustavo deixou de ser o centro das discussões de família. Na mesa da ceia, reinava um silêncio sepulcral - ninguém conversava animadamente, como nos tempos de outrora, e todos comiam quietos e atentos a seus pratos. Foi, então, que o tio Yuri se levantou e gritou:- Você está desonrando nossa família! Esse seu comportamento é desprezível, e Deus vai castigar sua alma!
Tia Márcia se levantou rapidamente, aos prantos, e tentou segurar o marido:
- Calma, querido! Ela não tem culpa!
- Você viu o que ela fez, Márcia?! Essa menina foi contra as leis da Natureza! Foi contra os ensinamentos de Jesus! - ele vociferava tal qual um pastor evangélico, e apontando para Ana Luísa, a prima mais velha de Gustavo.
Gustavo, apesar de assustado, se perguntava: o que Ana Luísa fizera de tão errado? Os dois primos tinha uma diferença de idade de 5 anos, mas ele nunca fora muito próximo de Ana Luísa - ele tinha mais amizade com Rodrigo, irmão dela e seu primo mais novo, que estava, então, com treze anos. Ana Luísa, então, se levantou e gritou com o pai:
- Você é um hipócrita! Vive falando de amor e de ter amor pelo próximo, mas não consegue aceitar nem reconhecer um amor verdadeiro! Eu amo a Patrícia, sim! E nós vamos morar juntas, porque eu não aguento mais dividir o teto com um velho hipócrita e com uma mãe submissa! Eu já ganho o meu salário, e não preciso passar por esse tipo de humilhação!
Dessa forma, Ana Luísa saiu com rapidez da mesa, dirigiu-se até à porta, e bateu-a com estrépito. Na mesa da ceia, começou, então, um misto de gritaria, choros e vozes de consolo. Gustavo aproveitou que ninguém estava olhando, e puxou Rodrigo para a cozinha. Os dois pararam atrás do balcão de granito dali, e Gustavo perguntou:
- O que aconteceu com a sua irmã?
- Eu também não entendi muito bem, mas parece que o papai viu a Ana beijando uma outra garota... Por isso ele ficou brabo assim!
- Mas o que tem de errado nisso?
- Ué, primo! Isso é coisa do diabo! Deus castiga isso!
- Por que Deus castiga? Pelo que eu ouvi, a Ana está apaixonada por essa menina... Por que Deus castigaria o amor?
- Não é amor; é pecado!
- Eu não acho que seja pecado...
- Primo, você está endemoniado! Você tem que seguir as premissas divinas!...
Antes que Rodrigo começasse a tentar, novamente, e pela enésima vez, doutrinar Gustavo no Evangelho - Gustavo era espírita - Nieta, André, Yuri e Márcia adentraram a cozinha discutindo ainda sobre a menina. Gustavo aproveitou, e foi correndo até a porta da frente, e saiu sem fazer barulho. Do lado de fora da casa, sentada na calçada, ele viu Ana Luísa. Ela vestia uma calça jeans desfiada, várias pulseiras de bijuteria nos braços, e usava uma camiseta preta. Ele se aproximou dela, tocou-a no ombro, e perguntou:
- Posso me sentar aqui, prima?
- Sai daqui, moleque! - ela esbravejou, tentando esconder as lágrimas com os braços.
- Por favor, Ana - me deixe sentar aqui do seu lado... Eu preciso te dizer que eu não vejo problema em você amar outra menina.
Ana Luísa o fitou assustada, e tirou os braços do rosto. Gustavo, então, se sentou a seu lado, e ela perguntou:
- O que foi que você disse?
- Eu não acho que seja errado gostar de uma menina. Não acho que é coisa do demônio, como diz o tio Yuri e o seu irmão.
- Mas você é um menino, Gustavo... Para você, é comum gostar de meninas.
- Mas e daí? Se eu, um dia, gostar de um menino, e se ele gostar de mim, não tem porquê não podermos ser felizes!
Ana Luísa sentiu o olho se encher d'água, e abraçou forte o primo. Entre soluços e lágrimas, ela disse, como que aliviada:
- Ai, primo! Quem dera o mundo tivesse mais pessoas com essa cabeça! Você é um garoto muito especial!
Ela o soltou, a tempo de ele dizer:
- Uma vez, algumas pessoas muito sábias me ensinaram que se você enxerga as maravilhas dos contos de fada, você pode, ainda assim, ter o futuro nas suas mãos. E eu acho que elas não poderiam estar mais certas nisso!
- Ei, isso é do ABBA! É "I Have a Dream", não?!
- É, sim! Você gosta?!
- Se eu gosto?! Eu tenho todos os LPs!
- Jura?! - os olhos de Gustavo cintilaram.
Ele havia, finalmente, encontrado alguém que o entendia.
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