domingo, 24 de agosto de 2014

Peça teatral "Do Tamanho do Mundo" - Apresentação de 23/08/2014

Se você tivesse a chance de mudar todas as escolhas que você fez para a sua vida, você correria atrás dos seus sonhos ou fixaria os pés na realidade? De forma sucinta, esta é a pergunta que guia a história da peça "Do Tamanho do Mundo", com texto de Paula Braun, direção de Jefferson Miranda, e que conta com Mateus Solano, Karine Telles, Alcemar Vieira e Isabel Cavalcanti. Na noite de sábado, fui à estreia da curtíssima temporada do espetáculo no Teatro Ulysses Guimarães, da Universidade Paulista (Unip), sozinho. Me sentei, quase como de costume, na primeira fileira da plateia, e vi uma história fantástica sobre um homem que acorda um dia sem se lembrar como andar, nem amarrar os sapatos, nem o que é trabalhar - ele é uma folha em branco, uma tabula rasa aristotélica. E é assim que começa a história da peça.


Arnaldo entra no palco caindo no chão, sem se lembrar como se fica em pé. Em seguida, sua esposa, Marta, chega de pijamas e o ajuda a se levantar. Enquanto isso, eles conversam e procuram se entender naquela situação. Enquanto isso, o narrador, interpretado por Alcemar Vieira, transita pela plateia contando mais daquele casal moderno, e de como Arnaldo está à beira de uma mudança total em sua vida. Enquanto isso, no palco, Arnaldo recupera o movimento das pernas, mas começa a se questionar sobre a vida que escolheu viver - seu emprego, o fato de ter deixado de tocar gaita na banda que tinha na faculdade, o porquê de ele e Marta não poderem tomar um vinho logo pela manhã,... Além disso, há um iminente jantar marcado na casa do casal, com um amigo que Arnaldo não se lembra se gosta ou não dele. Em meio a tudo isso, Arnaldo começa a questionar tudo à sua volta, e decide sair para conhecer aquele novo mundo que se abria à sua frente. Marta está confusa com aquela situação, mas está mais preocupada em viver sua vida quotidiana e resolver seus problemas.


O narrador assume, então, o personagem de bartender em um boteco onde Arnaldo vai parar. Os dois conversam sobre aquela sensação esquisita que domina o pobre homem, e Arnaldo fica ainda mais perdido do que já estava, na vã ilusão de entender o que é tudo aquilo. Enquanto isso, Marta liga para tia Lila, uma extravagante perua, que vai visitá-la e a encontra insone, preparando bolos e doces, além de um frango. As duas começam a discutir sobre a repentina mudança de comportamento de Arnaldo, e tia Lila conclui que ele é gay. Arnaldo, então, depois de passar a noite fora de casa, retorna, mas a conversa do casal sofre constantes interrupções, tanto de tia Lila quanto de um novo elemento - é Carnaval do lado de fora da casa de Arnaldo e Marta, e o narrador encarna um diabo (que tem um rabo com vida própria), que começa a conversar com os personagens, na tentativa de lhes mostrar a verdade por trás de tudo aquela situação inusitada. 


O final da peça é lindo e surpreendente, e a história - uma fantasia filosófica sobre a existência humana e suas implicações - é uma bela lição sobre não se abandonar os sonhos para se viver uma realidade que só traz infelicidade. Mateus Solano, ator brasiliense que ganhou o país em 2013,ao viver Félix, o vilão mais cativante dos últimos tempos, na novela "Amor à Vida", volta para sua terra natal com uma peça de teatro, cujo texto foi concebido por sua esposa, Paula Braun, em sua estreia como dramaturga. Os outros atores também são igualmente incríveis - Karine Telles (Marta) interpreta com naturalidade uma personagem jogada em um mundo novo sem paraquedas; Isabel Cavalcanti (Lila) nos mostra uma personagem que cativa o público por meio de sua loucura; e Alcemar Vieira, que faz um narrador que se mostra simpático e misterioso, e interpreta outros dois papeis igualmente enigmáticos, mas fundamentais para a condução da história. 


Durante o espetáculo, dois fatos chamaram bastante a minha atenção: Mateus Solano é um excelente cantor - ele canta trechos de diversas músicas ao longo da peça, e dança muito bem também - e sabe muito bem retribuir o carinho do público que o prestigia - em um determinado momento, ele relata à Lila algumas experiências homossexuais que teve no passado, e fica impossível dissociá-lo do marcante Félix Khoury neste momento. A peça é, sem dúvida, um lindo espetáculo, e já vale a pena assistir só pelo preparo cênico dos atores e pela história instigante e filosófica que ela conta.


domingo, 17 de agosto de 2014

Peça teatral "RENT - Sem Tempo a Perder" - Apresentação de 16/08/2014

A Actus Produções e Entretenimento é uma das melhores produtoras de peças teatrais da cidade de Brasília - suas montagens são sempre bem elaboradas e têm como proposta mostrar espetáculos para os olhos e para os ouvidos. A adaptação mais recente é da famosa peça "RENT", que começou na década de 1990 como um espetáculo off-Broadway, mas logo fez grande sucesso de crítica e de público, e conseguiu atingir a famosa rua das casas de espetáculos de Nova York, catapultando estrelas como Idina Menzel e Taye Diggs para o mainstream. "RENT - Sem Tempo a Perder", a adaptação da Actus, conta com a direção de Élia Cavalcante, e traz a belíssima história dos jovens boêmios que moram na Avenida A. A direção musical é de Alexandre de Paula, Pedro Souto e Rodrigo Karashima, e as traduções tanto de roteiro quanto de músicas foi realizada por Rafael Oliveira, Gabriel Estrêla e Igor Ferreira.

"Seasons of Love", uma das mais belas canções do musical, na versão do elenco do filme "RENT!", com direção de Chris Columbus

Fui assistir a este lindo espetáculo na companhia de minha irmã, Eduarda, e de sua amiga Bruna, que mora na China e está passando férias aqui. Sentamo-nos bem próximos do palco (primeira fileira), e vimos personagens tão marcantes se apresentarem de nós: Mark (interpretado por César Ribeiro, que conseguiu captar com precisão o espírito nerd do personagem), Roger (Diogo Lins, que tem uma voz de afinação invejável), Maureen (Alessandra Maraschino, bem sensual e pronta para arrasar), Joanne (Faby Gonçalves, que estava esplêndida no papel, numa atuação primorosa e com uma voz potente e límpida), Mimi (estou em dúvida se foi Larissa Cintra ou Louise Boeger que interpretou o papel na sessão das 21h, mas posso dizer que foi linda e emocionante), Angel (Diego Lemos, que foi, sem dúvida, o melhor ator da peça, interpretando com classe e paixão uma personagem tão complexa e representativa), Collins (não tenho certeza de qual dos três atores o representou, mas também foi fantástica a entrega ao papel), entre outros tantos.

"Today 4 U", que conta uma das histórias mais engraçadas da peça, e nos apresenta à personagem Angel. O vídeo traz o elenco original da peça, com Angel sendo interpretada por Wilson Jermaine Heredia.

"RENT" conta a história de jovens que passam pela mal da juventude: a AIDS, que se espalhava rápido demais e matava na mesma velocidade. Mimi, Roger, Collins e Angel estão infectados, cada um em um estágio da doença, e a morte de Angel e a experiência de quase-morte de Mimi são pontos altos da peça. Todos os atores em cena brilharam em cena, mas torno a dar destaque a Diego Lemos, que interpretou Angel de forma tão singela mas poderosa. Sem falar nas habilidades de dançar tão bem em cima de saltos tão altos quanto aqueles! A banda, que toca ao vivo todas as músicas do espetáculo, também estava fantástica, e executou os grandes sucessos de "RENT" com perfeição e afinco.

Filmagem amadora da noite de estreia da peça na Broadway, depois do estrondoso sucesso no circuito underground, com Idina Menzel (Maureen) interpretando "Over The Moon"

Esta foi a terceira produção teatral da Actus Produções que eu já assisti, e continuarei a ver todas as que surgirem, porque o trabalho da companhia é admirável e traz grandes sucessos da Broadway para um público carente de espetáculos grandiosos e musicais como aqueles produzidos na Big Apple. "RENT - Sem Tempo a Perder" é um espetáculo de encher os olhos e de deleitar os ouvidos, e merece ser assistido por todo um público que entenda como o amor pode salvar vidas e unir pessoas desamparadas pelo resto da sociedade. Além disso, a história é uma lição de vida sobre os malefícios da AIDS, e de como é importante a prevenção para não sofrer com as consequências dessa doença tão devastadora. Sem dúvida, a peça foi maravilhosa!

Videoclipé da versão de "Rent", música de abertura da peça, feita para "RENT - Sem Tempo a Perder"

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

HOT DROPS

Olá, pessoas!
 Hoje teremos nosso HOT DROPS, e as novidades estão quentinhas para vocês! Olhem só:

1) Já está no ar, desde o início da semana, o novo JUKEBOX! A artista da vez é a cantora e compositora canadense Loreena McKennitt, e eu falo de seu disco "The Book of Secrets". Assistam no player abaixo, se quiserem, mas por favor entrem no vídeo pelo YouTube para deixar o joinha de vocês e um comentário!;


2) A produção de resenhas críticas do Música Na Vida está a todo vapor neste ano de 2014! Após o sucesso das resenhas das peças "Camille e Rodin" e "Callas", vêm aí mais duas montagens: no dia 16 de agosto, vou assistir ao "Rent - Sem Tempo a Perder", versão do maravilhoso musical da Broadway que alçou Idina Menzel ao estrelato, produzida pela Actus Produções - responsável por duas peças já resenhadas neste blog: "Hair - Deixe O Sol Entrar" e "Across The Universe - O Musical". A peça estará em cartaz no Teatro Universa (Brasília), de 14 a 17 de agosto.;



3) A outra peça a ser resenhada será "Do Tamanho do Mundo", estrelado pelo ator global e brasiliense Mateus Solano. Irei ao espetáculo no dia 23 de agosto, no Teatro Ulysses Guimarães da Universidade Paulista (Unip).;



4) Na semana que vem, acabam minha férias... Sim, tudo o que é bom dura pouco... Mas estarei aqui sempre que possível! As resenhas já são garantidas, mas tentarei escrever alguns artigos especiais para o blog ao longo deste próximo semestre.

Uma música que ando escutando muito nas minhas férias: "Malagueña Salerosa", na versão da cantora Olivia Ruiz. Vale a pena conferir!

Bom, essas foras as notícias importantes da vez! Fiquem sempre de olho no Música Na Vida, porque música boa é no Música Na Vida!

Abraços,
Caio César.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Foco de Luz ou Super Trouper - Parte X

Olá, pessoas!

Hoje posto a décima e última parte do conto "Foco de Luz ou Super Trouper", de minha autoria! Espero que vocês tenham gostado dessa história, pois foi muito prazeroso para mim escrevê-la. Fazia muito tempo que eu não tinha inspiração para escrever um conto... Só quem é fã de contos sabe como é deliciosa essa sensação!

Obrigado a todos pela leitura!

Abraços,
Caio César.

***

"With a bit of rock music / Everything is fine" (Dancing Queen - ABBA)

Gustavo casou no civil com Raquel em março de 1995, e Olívia se casou com Cleto, seu namorado desde os quatorze anos de idade, em junho do mesmo ano. Em 1998, nasceu Roberta, filha de Gustavo e Raquel. No ano seguinte, vieram Flávia e Juliano, os gêmeos de Olívia e Cleto.

Em dezembro de 2002, todos foram passar as férias em Nova York. Gustavo comprou ingressos para todos assistirem ao espetáculo "Mamma Mia!", baseado nas músicas do ABBA, e foi o que mais se esbaldou durante a peça. Ao final, todos aplaudiram de pé. Na saída do show, Olívia estava subindo a escadaria e esbarrou sem querer em um senhor. Ao pedir desculpas (em português, pois estava um tanto distraída) e o senhor imediatamente se virou para trás e falou:

- Brasileiros?

- Sim! - todos falaram em uníssono.

- Que bom encontrar conterrâneos!

- De onde o senhor é? - perguntou Gustavo.

- São Paulo.

- Nós também!

- Capital?

- É! Somos ali da Mooca!

- Jura?! Eu também nasci e me criei na Mooca!

- Nossa, quanta coincidência!

- Com certeza, é muita coincidência! Muito prazer, Oswaldo Campanela Medina!

Olívia e Gustavo pararam de súbito, atônitos. Gustavo o fitou mais de perto, e exclamou:

- Santo Deus! Tio Oswaldo, é o senhor?!

- Gustavo?! Olívia?! Como vocês estão enormes!

- Ele é tio de vocês? - perguntou Cleto.

- Sim! - respondeu Olívia - É irmão da nossa mãe!

- Nossa, há quantos anos!

- Nem me fale, meu filho... A idade chegou para mim, com atraso, mas com força...

- O senhor está com quantos anos, tio Oswaldo?! - perguntou Olívia.

- Noventa e três anos! Mas ainda viajo que é uma beleza!

- Sozinho?!

- Nunca tive com quem viajar, então escolhi a solidão.

- O senhor não tem medo?!

- Eu vou morrer onde eu tiver que morrer. Seja em Nova York, seja em Paris, seja em Bali,... Quando a morte vem, não podemos escapar dela.

A família saiu do Winter Garden Theatre, e se dirigiu, por sugestão de Oswaldo, ao café que havia na estação de metrô ali perto. Uma vez lá dentro, cada um fez seu pedido, e todos conversavam animadamente. Ao longo da conversa, Gustavo se virou para Oswaldo, e disse:

- Tio, o senhor se lembra do presente que o senhor me deu naquele Natal que passamos lá em casa?

- Claro que sim! Foi um LP do ABBA!

- Sabe, tio? Aquele disco mudou a minha vida! Para sempre!

- O ABBA muda vidas, porque o ABBA é indiscutível. Não há quem não se divirta com as músicas deles.

Gustavo ficou em silêncio, contemplativo, e demorou para responder:

- Obrigado, tio Oswaldo... O senhor mudou a minha vida com aquele disco...

- Aquele disco mudou a minha vida também.

- Como assim?

- Eu escolhi ser sozinho depois de escutar o "Super Trouper".

- Por quê?

- Porque nada me faria mais feliz do que ter meus discos como eternos companheiros de vida. A música faz parte de mim, e eu não vivo sem oxigênio nem sem música.

- Ninguém vive sem música, tio Oswaldo! - sentenciou Roberta, filha de Gustavo e Raquel.

A voz de uma criança é mais poderosa do que a voz de um povo.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Foco de Luz ou Super Trouper - Parte IX

Olá, pessoas!

Hoje teremos a penúltima parte do conto "Foco de Luz ou Super Trouper", de minha autoria! Mas antes tenho uma notícia linda pra vocês: saiu o novo JUKEBOX! O disco escolhido foi "The Book of Secrets", lançado em 1997 pela cantora e compositora canadense Loreena McKennitt! Acessem a página do JUKEBOX no Música Na Vida e assistam!

Agora, vamos à história!

Abraços,
Caio César.

***

"The gods may throw a dice / Their minds as cold as ice / And someone way down here / Loses someone dear" (The Winner Takes It All - ABBA)

- Qual é o quarto, senhor? - perguntou a atendente do hospital.

- Não é quarto, é UTI - respondeu Gustavo.

- Identidade, por favor?

Sem nada dizer, Gustavo tirou a identidade de dentro da carteira de couro falso e entregou para a mulher. Em poucos segundos, já estava com seu crachá, a caminho da UTI. Ao chegar lá, Olívia o aguardava do lado de fora da sala. Os dois se abraçaram, e Gustavo disse:

- Olívia, esta é a Raquel, minha namorada.

A garota loira, de pele morena e olhos castanhos, fitou Olívia, e a cumprimentou com dois beijos no rosto. Então, Raquel disse:

- É um prazer conhecer você, Olívia. O Gu fala muito de você!

- Ele também me fala muito de você... Parece até que eu já te conheço, de tanto que eu sei sobre você!

- Espero que o Gu só tenha dito as partes boas! - e deu um sorriso leve e contido.

Todos se olharam mutuamente, e entraram na Unidade de Tratamento Intensivo. André, o pai de Gustavo, estava totalmente careca, e havia dois tubos ligados à sua cabeça, além de diversos eletrodos pelo corpo e de uma máscara de oxigênio entre sua boca e seu nariz. O homem estava bem mais magro do que Gustavo podia se lembrar, e sua pele estava amarelada e viscosa. Ele se aproximou, e viu que o pai estava de olhos fechados. Engolindo em seco, Gustavo lhe toca o braço. O velho abre os olhos com dificuldade, mas ele consegue ver o filho. Gustavo, trêmulo, fala:

- Oi...

André olha e parece analisar cada milímetro do rosto do filho.

- Sou eu... Gustavo...

Lágrimas começam a rolar dos olhos de André, que mexe a boca e parece querer falar algo. Gustavo fica aflito, e olha para a irmã. Olívia, então, diz:

- Pode tirar a máscara um pouco...

Gustavo, ainda muito nervoso, levanta a máscara de oxigênio do pai, que fala ofegante:

- Filho...

- Pai... - ele começa a chorar junto com o pai.

- Você... Muito tempo... Longe...

- Eu sei, pai... Me desculpe, mas era o único jeito de eu conseguir ser feliz e me realizar...

- Eu... Arrependo... Nunca... Devia... De casa...

- Eu também não agi corretamente, pai... Como eu fui imaturo... Eu era muito novo...

- Sua mãe... Te ama....

- Eu sei, pai. Eu também amo muito a mãe...

- Você... Perdoa?

- Você? - o velho assentiu levemente com a cabeça - Sim, pai... Eu perdoo o senhor. E peço perdão também. - ele começa a chorar compulsivamente, e vai escorregando pela lateral da maca - Desculpe por tudo que eu causei a você e à mamãe! Vocês não mereciam!

- Calma, Tavinho... - Olívia o ajuda a se reerguer, enquanto Raquel arruma a maca, que se mexeu com a força de Gustavo.

- Filho...

- Oi, pai...

- Essa... Moça...

- Pai, essa é a Raquel. Ela é minha namorada há três anos. Vamos nos casar assim que eu terminar a faculdade.

- Casar... Você... Bom... Filho...

- Acho melhor colocar a máscara de volta nele, não? - indagou Raquel.

- Também acho! - Olívia disse, e já foi recolocar a máscara.

Já de máscara, André mexeu a boca novamente, e Gustavo se aproximou bastante, quando escutou:

- Eu... Te... Amo... Filho... - a última palavra veio seguida de um barulho agudo vindo do monitor cardíaco.

Os médicos tentaram, sem sucesso, reanimá-lo. Olívia e Gustavo choravam, enquanto Raquel os consolava. André morreu às dezoito horas daquela quarta-feira de janeiro. Nieta, a mãe dos irmãos, morreu dois dias depois, sem saber da morte do marido, mas sentindo que este já se fora para o plano superior.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Foco de Luz ou Super Trouper - Parte VIII

Olá, pessoas!

Após o sucesso da peça "Callas", que você pode conferir aqui, hoje teremos a oitava parte do conto "Foco de Luz ou Super Trouper", de minha autoria. A história já está chegando ao fim, mas ainda tenho mais duas parte para postar.

Espero que todos estejam gostando da história! Por favor, comentem neste post ou na página do Música Na Vida no Facebook sobre a opinião de vocês!

Abraços,
Caio César.

***

Gustavo conseguiu terminar o colégio por meio de um supletivo, que ele cursou à noite enquanto trabalhava de atendente da livraria do centro da cidade. Juntou um dinheiro que sobrava do seu salário e conseguiu comprar um apartamento pequeno no subúrbio - ali ainda não havia chegado a especulação imobiliária. Conseguiu entrar para uma faculdade paga, onde fazia o curso de Administração, mas percebeu que ali não era seu lugar, e trancou para poder cursar Letras. Em contato com muitos livros e autores fantásticos, Gustavo pôde transcender o significado das letras, e entrou em contato com a teoria literária que havia sobre a música. Um dia, enquanto estava lendo mais uma obra literária para uma matéria, uma voz feminina o interrompeu:

- Posso me sentar?

Ele olhou a garota - alta, curvilínea, olhos verdes e com cabelos ruivos presos em um coque casual - e disse que sim, ela poderia se sentar. A garota colocou a cadeira ao lado da dele, e perguntou:

- Você não tá me reconhecendo?

- Eu deveria?

- Considerando que eu sou sua irmã, Gustavo Medina de Sousa, eu acho que sim!

Ele levou a mão à boca e, em uma exclamação contida, disse:

- Meu Deus! Olívia?!

- Oi, meu irmão!

Os dois se abraçaram e começaram a chorar juntos. Com medo de atrapalharem os outros estudantes da biblioteca, saíram dali e foram conversar no jardim.

- Olívia, como você mudou!

- Eu cresci, Tavinho!

- Tavinho?! Nossa, há quanto tempo eu não escutava esse apelido!

- Todo mundo só te chama de Gu, não é?!

- Sim! Só você e...

- ... A mamãe que chamávamos você de Tavinho... É...

- Como ela está?

- Doente. Nunca mais foi a mesma desde que você se foi.

- E o velho?

- Tavinho, isso é jeito?

- Queria que eu dissesse o quê?! "Papaizinho querido"?!

- Não, não... É só que... Ah, deixa pra lá: eu sei como você se sente, e não tenho o direito de te tirar a razão.

- Como ele está?

- Na UTI. Sofreu um AVC na semana passada.

- É muito grave?

- Talvez sejam os últimos dias dele.

- Hum...

- Você deveria visitá-lo.

- Por quê?!

- É seu pai.

- Não é mais. Foi ele mesmo que disse.

- Gustavo, isso tem mais de cinco anos! Já estamos em 1994 - não temos mais ditadura no Brasil, elegemos nosso presidente,...

- Mas ainda não acabamos com o preconceito contra os gays.

- Você, melhor do que ninguém, deveria saber que não é tão fácil assim...

- Eu sei, e é por isso que eu não vou visitar aquele velho homofóbico! - gritou, exaltado.

- Ele perguntou por você...

- O quê?! - Gustavo estava em choque.

- Ele perguntou de você. Ontem. Estou dormindo com ele no hospital, e ele chamou por você ontem. A noite toda.

- Que curioso... Agora ele lembra que tem filho.

- Gustavo, é sério: eu acho que ele quer se despedir de você.

- Se é por falta de adeus...

- Você tem noção de como é difícil, para mim, lidar com tudo isso?! Mamãe na sessão de quimioterapia para tratar do câncer no fígado?! Papai na UTI, com uma artéria estourada na cabeça?!

- Eu tenho mesmo que visitá-lo?

- Acho que seria bom pra você... Talvez vocês se acertem.

- Duvido muito...

- Você está namorando, não? Lembro de você ter mencionado isso na última carta que me mandou.

- Sim, estou... Mas não é mais aquela menina da carta: há dois anos estou namorando com uma garota chamada Raquel.

- Que bom, meu irmão...

- É...

- Por que você não vai com ela? O pai vai gostar de te ver com alguém.

- Não acho que seja uma boa ideia.

- Mas ela deve estar curiosa para conhecer sua família - dois anos juntos... Já era para você ter nos apresentado essa menina há tempos!

- Você sabe que eu quis manter o máximo de distância dele.

- Mas agora ele está quase nos deixando, Gustavo... - os olhos de Olívia se encheram de lágrimas - Faça isso por mim... Faça isso pela nossa mãe...

- Você acha que ele pode me aceitar?

- Ele está muito mal - duvido que recusará uma visita sua.

- Será?

- Tenho certeza.

Gustavo olha para o céu, que está acinzentado por conta das pancadas de chuva de fim de tarde que são tão comuns no verão. Uma gota de chuva o acerta no rosto, e ele interpreta isso como a resposta que ele precisava para seus problemas:

- Eu vou.

- Ótimo! Quando?

- Amanhã.

- Obrigada, meu irmão...

- Eu é quem agradeço, Olívia... Obrigado por ter segurado essa cruz, da qual eu fugi tantos anos.

- Eu te amo, Gustavo.

Os dois se abraçaram fortemente, e as lágrimas verteram em ambos os rostos.

domingo, 3 de agosto de 2014

Peça teatral "Callas" - Apresentação de 03/08/2014

A vida de Maria Callas foi uma linda ópera, e ver sua história contada em um palco é a realização de um sonho para um fã de ópera e de música clássica como eu. O espetáculo "Callas", com texto de Fernando Duarte e direção de Marília Pêra, não foi uma surpresa - sua qualidade já me era certa quando vi o nome de Marília Pêra e de Sílvia Pfeiffer, que estrela a peça, interpretando Callas com uma profundidade fantástica. Além de Pfeiffer, há também Cássio Reis, que interpreta John Adams, jornalista e amigo pessoal de Callas, também fazendo um excelente trabalho. A peça é fantástica, o texto é brilhante, e o carisma que exala da obra de Maria Callas fez o público entender um pouco mais de sua figura nas coxias.


Cheguei ao teatro um pouco atrasado, mas consegui entrar e encontrar facilmente meu lugar - com uma excelente vista central do palco - sem problemas e antes da segunda campainha. Ao entrar no teatro, já senti o espírito operístico e narcisista que Callas tinha bem aflorados - tocavam algumas de suas árias mais famosas como música de fundo, e no palco haviam diversos manequins com seus vestidos icônicos. Ao começar o espetáculo, logo entendemos o porquê: o evento narrado é o encontro entre Callas e John Adams, ocorrido apenas um dia antes da morte da estrela, para falar sobre a exposição que Adams estava montando sobre a vida de Callas, sob curadoria da diva. John grava toda a conversa dos dois sobre os amores e os desamores da soprano, além de falarem sobre a família dela e dos homens famosos que passaram por sua vida. Ao longo do espetáculo, Callas experimenta vários vestidos, fazendo a troca de roupa em cena, enquanto discorre sobre figuras como Jackie Kennedy, Aristóteles Onassis, Clark Gable, Vivien Leigh, Montserrat Caballé, entre outras.


Sílvia Pfeiffer faz um excelente trabalho em cena, dando vivacidade e o tom blasé que Maria Callas fez de sua persona pública. Entretanto, a atriz ainda parece um pouco engessada no papel, mas tem potencial para melhorar em cena. Já Cássio Reis, que interpreta um jornalista homossexual discreto, faz bem o papel que lhe cabe, mas alguns toques do absurdo deixaram algumas cenas descabidas e fora da proposta. A história da soprano é muito bonita e muito trágica - Maria Callas é uma diva absoluta, e fez de sua vida um palco iluminado, mesmo no tempo que passou longe dos palcos. Seu grande amor foi, inevitavelmente, Aristo - no espetáculo, Callas confessa que foi com ele, do alto de seus 36 anos, que ela descobriu o orgasmo, e que eles foram muito felizes juntos, até Onassis descartá-la para conquistar a viúva Jackie Kennedy, com quem se casou. Ao fim da peça, Callas confessa todo seu amor por Onassis, e para de súbito na porta de entrada da galeria de arte onde aconteceria a exposição - Callas morreu de infarto em Paris, a 16 de setembro de 1977, um dia depois da longa conversa com John Adams.


A direção de Marília Pêra é impecável, e a equipe técnica realizou um trabalho primoroso e de qualidade na montagem do cenário e na composição do ambiente. Saí do Teatro Ulysses Guimarães, na Universidade Paulista (UNIP), com a sensação de que fui levado em uma jornada pela vida sofrida de uma mulher de fibra. "Callas" é um espetáculo teatral de qualidade inquestionável, e o trabalho dos atores é apenas mais um dos fatores que leva ao sucesso da produção.

Foco de Luz ou Super Trouper - Parte VII

Olá, pessoas!

Desculpem por não ter postado antes a sétima parte do conto "Foco de Luz ou Super Trouper", mas eu passei o dia em uma festa e não pude fazê-lo antes. Já cheguei em casa depois da peça "Callas", mas ainda estou escrevendo o texto sobre ela para publicar aqui.

Fiquem de olho porque o Música Na Vida está cheio de novidades!

Abraços,
Caio César.

***

"I still don't know what you've done with me / A grown-up woman should never fall so easily" (Lay All Your Love On Me - ABBA)

- Ei...

- Diga.

- Feliz aniversário.

Gustavo sorriu, e se virou para fitar o rosto de Tiago. O parceiro, então, perguntou:

- E aí? O que achou?

- Posso ser bem sincero?

- Pode, ué!

Ele se sentou na cama, e Tiago fez o mesmo. Gustavo o fitou e disse:

- Me desculpe, Tiago... Mas essa não é a minha onda.

- É, eu imaginei... - Tiago alcançou o isqueiro e o maço de cigarros, acendeu um e baforou - Você não ficou tão confortável, eu pude perceber.

- Desculpa, tá? Não é culpa sua...

- Relaxa, cara! - Tiago deu um tapa leve na perna de Gustavo - Tem gente que não curte mesmo!

- Podemos continuar sendo amigos?

- Claro! Eu só topei ir pra cama contigo porque somos muito amigos! Você foi a pessoa mais legal com quem eu tive contato desde que o Roberto terminou comigo!

- Me desculpe..

- Não tem de quê te desculpar, querido! Pelo visto, o seu negócio é boceta!

- Você acha mesmo?

- Se você não curtir o "buraco quente", não sei mais como te ajudar!

- "Buraco quente"?! Credo, que expressão horrorosa!

- Foi a única que eu lembrei!

Os dois riram juntos, enquanto cada um se vestia e voltava para a festa em que comemorava seus dezessete anos e a saída de seu pedido litigioso de emancipação.

sábado, 2 de agosto de 2014

Foco de Luz ou Super Trouper - Parte VI

Olá, pessoas!

Hoje postarei a sexta parte do conto "Foco de Luz ou Super Trouper", de minha autoria! Aproveito também para avisar que amanhã vou ao teatro e que segunda serão duas postagens no Música Na Vida - a resenha do espetáculo "Callas", uma peça teatral contando sobre os últimos dias de vida de Maria Callas, com Sílvia Pfeiffer interpretando a protagonista, e com direção da magistral Marília Pêra, e a oitava parte do conto. Amanhã postarei a sétima parte do conto, ok?

Espero que vocês estejam gostando!

Abraços,
Caio César.

***

Gustavo acordou pela manhã com o cheiro do café vindo da cozinha. Ele se recompôs, e perguntou:

- Que horas são?

- Cinco e cinquenta da manhã. - respondeu Ana Luísa

- Vocês estão indo pro trabalho?

- É... O foda é acordar a essa hora... - disse Patrícia, que tirava o bule de café da cafeteira e servia as três xícaras que haviam na mesa.

Gustavo se sentou à mesa, pegou seu café, colocou uma colher de açúcar, mexeu o líquido e tomou. O café da manhã estava silencioso, quando Ana Luísa o fitou:

- Ele te expulsou sob qual pretexto?

- As notas da escola.

- Que babaca...

- Ele também me xingou de "viadinho fedelho"...

- Viadinho?

- É.

- E você é? - perguntou Patrícia.

- O quê?

- Viado.

- Não sei.

- Como assim?

- Eu nunca beijei, nunca trepei, nunca tive contato íntimo nem com mulheres, nem com homens. Como eu vou saber?

- A gente nasce sabendo, querido!

- Não nasce, não Titi... - Ana Luísa interrompeu - Eu mesma demorei para me descobrir, me aceitar,... Vem cá, primo: você quer experimentar?

- O quê?

- Sexo. Com mulheres, com homens,...

- Eu não sei se dou conta...

- Eu arranjo pra você. Você experimenta e me diz o que achou, o que você sente.

Gustavo pensou por algum tempo, e resolveu:

- Eu topo!

- Então temos um acordo! - Ana Luísa estendeu sua mão, e os dois logo selaram a promessa.

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Foco de Luz ou Super Trouper - Parte V

Olá, pessoas!

Desculpem a demora em postar a quinta parte do conto "Foco de Luz ou Super Trouper", mas tive um dia um tanto atribulado, e não pude sentar no computador hoje para fazer isso! Mas a espera acabou: aqui está a próxima parte do conto!

Espero que vocês estejam gostando das aventuras de Gustavo!

Abraços,
Caio César.

***

- Isso é um absurdo! Você é um vagabundo! - berrava André, com o boletim escolar do filho em mãos - Eu trabalho todo dia que nem um condenado naquele escritório, e pra quê?! Pro meu filho não conseguir passar de ano?! É isso, Gustavo?!
Gustavo, até então bem calado, levantou a cabeça, respirou fundo, e confessou seu sentimento mais profundo:

- Isso não é nada perto do que eu gostaria de lhe dar, pai... Isso é muito menos do que eu sou capaz, para fazê-lo sofrer o tanto que o senhor me faz sofrer a cada dia da minha vida! Tudo tem que ser do seu jeito, do seu modo - eu estou cansado de fazer tudo assim! Estou de saco cheio de ter que abaixar minha cabeça e me calar a cada vez que o senhor me insulta ou insulta a mamãe! Aliás, bom lembrar da minha mãe - ela é a minha heroína, sabia?! Não deve ser fácil dividir a cama com um homem grosso e estúpido que nem você por tantos anos! Sabe que eu ainda me pergunto se vocês trepam?...

A confissão de Gustavo foi interrompida por um tapa estalado no meio do seu rosto. Ele se recuperou do susto, levou a mão à bochecha direita (que ardia de dor), e ouviu de seu pai:

- Sai já da minha casa, seu ingrato! Arrume suas coisas e vá embora da minha casa! Aqui eu não sustento nem vagabundo, muito menos um viadinho fedelho como você! Saia daqui e vá pro raio que o parta!

- E você vai fazer isso por quê?! Porque eu reprovei na escola?! Ou é por que o senhor acha que não pode ter um filho gay?!

- Eu não tenho um filho gay - você não é mais meu filho! Sai daqui, moleque cretino!

André empurrou o menino no chão, que caiu com estrépito ao bater o ombro no armário. O pai saiu do quarto, e a mãe, que escutava tudo do lado de fora, entrou chorando em desespero, tentando acudir o filho. Gustavo se levantou, limpou o sangue que escorria mais uma vez do nariz que seu pai havia quebrado mais cedo naquela noite, e Nieta, em prantos, disse:

- Filho, não escute seu pai! Ele está de cabeça quente! Amanhã vocês conversam e se entendem!

- Não, mãe... Eu não tenho sangue de barata, você me desculpe... Eu vou embora, sim. Vou pra casa da Ana e da Titi - pelos menos lá, eu serei bem tratado e respeitado.

- Gustavo, meu filho, não faz isso! Seu pai é assim mesmo! Você tem que ter paciência!...

- Não tenho que ter paciência, mãe! - ele a interrompeu - Eu tenho que ter liberdade para fazer minhas escolhas! Eu quero ser livre!

Ele, então, arrumou sua pequena mala - três mudas de roupa, cuecas, meias, seus LPs do ABBA, e uma foto dele com sua mãe e sua irmã. Ao fechar a mala, ouviu a mãe engolir em seco e desabar novamente no choro. Ele deu um beijo no topo da cabeça dela, e foi em direção à porta. Do outro lado do corredor, Olívia o encarava - ela tinha um ano a menos do que ele. Ele, então, se aproximou dela, e ela disse:

- Você está mais do que certo, meu irmão. Vai buscar a tua felicidade. Eu cuido de tudo aqui.

Ele sorriu, e uma lágrima começou a rolar por seu rosto quando ele abraçou Olívia e se afogou em seus cabelos ruivos e longos. Os dois se afastaram, despediram-se com os olhos, e Gustavo saiu de casa.

Ao chegar na casa de Ana Luísa, a prima atendeu à porta antes de ele tocar a campainha - parecia que ela adivinhara tudo. Ela, então, o abraçou forte, enquanto Patrícia pegava a mala que ele trazia consigo e colocava perto do sofá do pequeno apartamento que as duas dividiam. Os três entraram, e Ana Luísa perguntou:

- Ele te expulsou ou você quis sair?

- Ele me expulsou...

- E você quis sair?

- Sim. Acho que foi a melhor coisa que ele me disse nos últimos meses...

- E como será agora? - perguntou Patrícia.

- Não sei... Eu preciso dar um jeito em tudo... Acho que vou largar a escola, começar a trabalhar...

- Tem certeza? Não vai ser fácil arranjar emprego... E outra: você vai morar aqui? No nosso sofá? O apartamento é pequeno, só tem um quarto, um banheiro,...

- Titi! - censurou Ana Luísa - Ele está muito cansado! Deixe-o descansar hoje, e conversamos sobre tudo amanhã! Tudo bem, primo?

- Tudo... - disse Gustavo um tanto desorientado e sonolento - Eu preciso... Descansar um pouco...

- Boa noite, Gu! - Ana Luísa lhe deu um beijo na testa, e se levantou do sofá - Tente dormir, e conversaremos mais sobre tudo isso amanhã, quando a cabeça estiver melhor.

- Boa noite... - ele dormiu em pouco menos de cinco minutos.