Mais do que contar a história da casa de shows mais famosa de Paris e de uma juventude rebelde que trouxe a Belle Époque como forma de contrariar os paradigmas sociais estabelecidos até então na alta sociedade francesa, o filme tem por fio condutor uma trágica história de amor. E, sim, trágica, desde o início – logo nos primeiros minutos de cena, já sabemos que Satine (Nicole Kidman), o grande amor de Christian (Ewan McGregor), está morta. Tão logo sabemos dessa informação, somos mandados de volta para 1889, ano de ebulição da revolução boêmia, e somos logo apresentados às figuras mais cativantes do submundo do bairro de Montmarte, como prostitutas, poetas, atores, diretores, roteiristas, transformistas, entre outras mais. Christian aparece como um recém-chegado, que abandonou toda uma vida burguesa e estável em Londres para tentar a sorte como escritor em Paris, e, em menos de cinco minutos de filme, ele já é roteirista de uma peça de teatro que traz a revolução boêmia na sua mais pura forma – um pastor de ovelhas e uma freira que vivem o amor livremente, fazendo sexo nas relvas suíças. No entanto, Harold Zidler (Jim Broadbent), dono do Moulin Rouge, não parece estar muito animado para encenar a história dos boêmios, levando-os a apelar para uma arma secreta: Satine, a grande estrela do Moulin Rouge.
O grande agregador da revolução é Henri de Toulouse-Lautrec (John Leguizamo), o famoso artista plástico francês que ficou famoso graças aos pôsteres que fez para divulgar os shows de vaudeville do Moulin Rouge. E é justamente o vaudeville que traz à tona o espírito livre e musical da película: toda a confusão visual e a mistura de gêneros musicais são derivadas da estrutura de entretenimento do movimento artístico-teatral que, no Brasil, originou o famoso teatro de revista e suas vedetes. Aliás, as vedetes do Moulin Rouge eram, para a alta sociedade europeia da época, o que as pop stars são atualmente para os cassinos de Las Vegas: figuras de luxo que, decerto, trarão lucros exorbitantes para os contratantes e deleite visual para os espectadores dos espetáculos. No filme, a vedete da vez é Satine, que traz Kidman como uma vigorosa femme fatale que esconde na sensualidade à flor da pele uma jovem carente de amor, presa em uma realidade cruel em que tem de vender seu corpo para não morrer de fome. Ao mesmo tempo em que se apaixona por Christian, Satine enfrenta um problema tão grande quanto: por conta de um acordo financeiro, Zidler obriga a cortesã a conhecer melhor o Duque de Monroth (Richard Roxburgh), um sujeito bizarramente possessivo e notoriamente violento, que não medirá esforços para fazer de Satine sua mais alta comenda. A história é contada por meio de números musicais ora belos e românticos, ora confusos e bizarros, reiterando o caráter vaudeville da obra de Luhrmann e mostrando o poder da fotografia de Donald McAlpine (X-Men Origens: Wolverine, Uma Babá Quase Perfeita) e da edição de Jill Bilcock (A Vingança Está na Moda, O Casamento de Muriel).
"Gorecki", canção interpretada no filme por Nicole Kidman, em sua versão original, da banda Lamb.
Além de mostrar a valoração do amor e de trazer para as telas o espírito boêmio e difuso do vaudeville, a película também traz inúmeras referências à cultura pop – e estas vêm desde frases famosas do cinema até canções mais do que conhecidas do grande público, como “Your Song”, do inglês Elton John, “Roxanne”, do conjunto britânico The Police, “Material Girl”, da estadunidense Madonna, “The Sound of Music”, do filme A Noviça Rebelde, “Heroes”, do britânico David Bowie, “Lady Marmalade”, do trio norte-americano Labelle, “Diamond Are A Girl’s Best Friend”, interpretada por Marilyn Monroe no filme estadunidense Os Homens Preferem As Loiras, entre outras mais. As músicas não são acessórias à história – são parte do arco narrativo da trama, e elucidam os dramas e as alegrias de cada personagem, passando pelos sentimentos de amor e ciúmes e, também, pelas tristezas causadas pelo luto. A morte de Satine impede não apenas a realização plena do amor dela e de Christian, como também destrói a sanidade mental do Duque e leva à ruína de Zidler – e cada um, à sua maneira, encontra formas de expressar sua dor. Por ser o protagonista, McGregor tem a câmera quase o tempo todo, e não decepciona nem nos bons nem nos maus momentos – ainda que sua voz cantando não seja tão firme, ele não faz feio ao entoar clássicos de Elton John ou de David Bowie, para citar alguns exemplos. Já Nicole Kidman entrega muita voz, com uma atuação mediana – digo, não foi boa o suficiente para a indicação ao Oscar de Melhor Atriz que ela teve; no entanto, a personagem não demandava, de fato, profundidade – Satine era fútil e superficial, e só ganha contornos mais dramáticos e esféricos depois de passar pela experiência do amor. Roxburgh traz em seu Duque uma figura bipolar e ultraprotetora, mas é nos momentos de euforia que mostra seu talento performático. Broadbent faz de Zidler um aproveitador de bom coração, a figura clássica do coadjuvante que tenta ser o fiel escudeiro mas que , volta e meia, atrapalha mais do que ajuda os protagonistas. Outros destaques do elenco são Alejandro (Jacek Koman), Nini (Caroline O’Connor), e a rápida passagem da cantora australiana Kylie Minogue como a Fada Verde da embalagem de absinto.
De forma geral, “Moulin Rouge – Amor em Vermelho” é uma obra caótica sobre o amor levado às últimas consequências e sobre a liberdade de expressão das gerações que anseiam se rebelar contra o status quo e as opressões de seus antepassados. Não é um mero amontoado de músicas pop – é uma homenagem à cultura pop em geral, trazendo à baila hits de diversas épocas numa roupagem que se situa equidistante do moderno e do vintage. Não é um musical datado, apesar de kitsch sem vergonha de sê-lo – é um filme com um arco narrativo simples, mas com personagens cuja dramaticidade é turbinada pelas letras das músicas que cantam em cena. No que diz respeito à tríade de palavras-chave, a película evoca o amor como a mais alta benção da vida, traz o vaudeville como não apenas um pano de fundo mas um propósito para as músicas que permeiam o roteiro, e as referências pop como uma forma de endossar a homenagem a todas essas figuras icônicas que fazem parte da história do entretenimento. Baz Luhrmann é certeiro em sua direção e, pelo fato de ter em mãos um roteiro de autoria própria, explora mais a fundo a relação do amor e do poder com a liberdade de ir e vir proporcionada pela onda revolucionária da boemia francesa do final do século XIX. Indubitavelmente um clássico musical para se rever vez por outra e se deleitar com as canções que você conhece e sabe que gosta.
Christina Aguilera e algumas competidoras do ˜The Voice" apresentando "Lady Marmalade" ao vivo.
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