Fazer uma peça sobre o universo de Harry Potter, o bruxo mais famoso do mundo da literatura e do cinema, é, sem dúvida, uma tarefa hercúlea, porém redentora - vide o sucesso estrondoso, ainda que cercado de críticas tanto de fãs quanto da imprensa especializada, de "Harry Potter and the Cursed Child", tida como a oitava parte da saga de Potter e seus amigos, Hermione Granger e Ronald Weasley, com roteiro de Jack Thorne e supervisão geral de J.K. Rowling, autora da série de livros do mundo mágico de Hogwarts. Porém, quando, em 2009. Darren Criss, então estudante universitário de artes dramáticas na University of Michigan, decidiu, junto com seus colegas, fundar a StarKid Productions e produzir seu primeiro musical, "A Very Potter Musical", a menor das preocupações era o peso de se adaptar personagens tão clássicos quanto os estudantes e professores da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts - o objetivo era, de fato, fazer rir com aquele tema tão mágico. Não deu outra: a peça se tornou um fenômeno na internet e, em 2017, chega à cidade de Brasília com um produção local de extrema qualidade sob o nome "Um Reles Potter", com direção geral e musical de Ricardo Taveira, direção cênica de Rômulo Mendes, adaptação de roteiro por Ricardo Taveira e Julia Stark, e versões das músicas por Rafael Oliveira.
Crédito: A Beroadway É Aqui!/ Divulgação
O musical conta uma adaptação livre das histórias contidas nos livros de Harry Potter desde o primeiro, "A Pedra Filosofal", até o último, "As Relíquias da Morte", com um tom mais voltado para a comédia e para o escracho, porém sem descambar para a zoeira errante. Com versões amalucadas e ainda mais caricatas dos personagens da saga, "Um Reles Potter" traz uma viagem hilária por Hogwarts e suas figuras incríveis. No elenco, grandes nomes do teatro musical brasiliense: Ricardo Taveira interpreta Harry Potter, com uma excelente caracterização, com as coreografias muito bem executadas, porém com uma voz um pouco vacilante em alguns solos; Jon Fonseca interpreta Rony Weasley, melhor amigo de Harry, com um excelente timing de comédia e com uma voz interessante; Sofia Coêlho interpreta Hermione Granger, a amiga estudiosa de Harry e Rony, com uma voz formidável que lembra muito Luisa Palomanes, a dubladora em português brasileiro da personagem de Emma Watson nos filmes, e com uma participação essencial para o decorrer da história; Sami Maia interpreta Gina Weasley, irmã de Rony e futura esposa de Harry, que trouxe à cena uma das melhores personagens da peça original de forma brilhante e que, ao abrir a boca para cantar, deleitou a plateia com uma das mais belas vozes da noite; Larissa Cintra interpreta Draco Malfoy, o vilão que sempre tenta arranjar confusão com Harry - sim, o bruxo sonserino é interpretado por uma moça, que faz um timing de comédia muito interessante, junto de uma voz muito intrigante (eu vi Cintra em cena nos musicais "RENT - Sem Tempo a Perder" e "Across The Universe - O Musical" e, no comparativo, seu canto está mais grave agora e mais firme); Rômulo Mendes interpreta Lorde Voldemort, com uma maquiagem impecável e certamente bem trabalhosa de se fazer e de se remover, com uma voz estupenda e versátil, e com um jogo de cena com o personagem Quirrell de deixar qualquer um de queixo caído; Fabio Gomes interpreta Quirino Quirrell, que faz uma dupla incrível com Mendes, e surpreende pela voz muito interessante e pela coreografia de movimentos em cena quando junto do personagem Voldemort; Mateus de Medeiros interpreta Alvo Dumbledore, o diretor da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts (e que tem uma quedinha por Zac Efron), com um inegável talento para o teatro musical, destacando-se com afinco nas três áreas de atuação; Renata Mamede interpreta Severo Snape, o malvado professor de Poções que é um agente duplo para Voldemort e Dumbledore, em uma caracterização ímpar, uma expressividade corporal notável e uma construção de personagem simplesmente impecável; César Ribeiro interpreta Cedrico Diggory, o campeão da Lufa-Lufa no Torneio Tribruxo e namorado de Cho Chang, que traz mais uma vez sua voz e seu talento para o palco de forma sensacional (já vi César em cena nos mesmos "RENT" e "Across The Universe", e sempre com o mesmo vigor na voz e o carisma que lhe transborda dentro e fora dos palcos); Mayra Del Duca interpreta Cho Chang, uma empoderada integrante da casa de Corvinal que namora Diggory, com sua presença de palco impressionante e com um talento invejável na dança; Abigail Castilho interpreta Bellatrix Lestrange, a Comensal da Morte mais fiel a Lorde Voldemort que nutre uma paixão doentia por ele, e traz para a cena uma das impressionantes caracterizações da montagem (muito parecida com a original de Helena Bonham-Carter nos filmes), além de sua atuação muito acertada; além destes, também temos em cena Jow Gusmão (Vincent Crabbe), Diogo Fois (Gregory Goyle) e Thaís Barros (Luna Lovegood) - esta última, decerto, leva o prêmio de melhor figurino de toda a peça com seu pijama de unicórnio e All Star cor-de-rosa para o Baile de Inverno.
Sem dúvida, "Um Reles Potter" foi uma das mais divertidas peças que assisti nos últimos anos - tive até medo de ser censurado por conta das minhas gargalhadas feias, como fez acertadamente o elenco em cena com aqueles que estavam em seus aparelhos celulares durante o espetáculo. Todos em cena são muito bons, e a banda, apesar de alguns furos na questão de entradas e saídas de canções, é tão boa quanto o restante do elenco. Ao fim do espetáculo, eu e Giulliana, minha namorada, fomos conversar brevemente com César Ribeiro para trocarmos ideias sobre nossos recentes trabalhos - e, felizmente, antes do início da peça, encontramos do lado de fora colegas do "Moulin Rouge - Os Filhos da Revolução": Alessandra Maraschino, Clóvis Leôncio, Rebeca Abdo, Karine Cruvinel e Victor Meira (este último está no elenco de "We Will Rock You", próxima produção da Actus, com estreia prevista para dezembro de 2017). De forma geral, o musical tem, sim, o objetivo de ser engraçado e caçoador, mas isso não tira seu brilho nem seu profissionalismo.
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